sexta-feira, 1 de maio de 2015

"You Are in Love"




Espero que nossa Cidade não esmague os apaixonados.

Os dois se olharam de uma forma um pouco mais demorada que o normal, ele passou o dedo indicador nos lábios dela, os olhos verdes dos dois pareciam lançar raios fulminantes um ao outro. Entre os dois, apenas os lençóis brancos, mais nada existia ali além daquilo e da pálida luz da manhã de inverno entrando timidamente pela persiana. Não havia nenhuma música tocando de fato, mas havia uma melodia que os envolvia de uma forma gostosa e nova. Eles nunca tinham ouvido aquela melodia antes. Duas velas, uma de cada lado, agora apagadas e não havia sono, apesar de não terem dormido em momento nenhum.

Ela fechou os olhos para se lembrar da noite passada. A conversa jogada fora enquanto ele dirigia, um café à meia-noite enquanto a lua refletia o colar de prata que ele usava discretamente no pescoço. Depois, o silêncio que também é música envolvia os dois, os beijos eram trocados e eram doces, doces como se nada tivesse aquele sabor, nenhum chocolate ou mel no mundo se parecia com aquele gosto, era completamente único. Não havia absolutamente nada além daquilo, nada.

Ele se levantou sorrindo e foi até a cozinha, alguns minutos depois ela sentiu o cheiro do café e da torrada. Colocou a camisa que ele usara na noite passada, agora tudo ao redor dela tinha aquele cheiro amadeirado que arrepiava cada pelo de seu corpo. Ela foi até a cozinha, ele estava sorrindo com a mesa pronta esperando por ela. Os dois se sentaram e jogaram mais conversa fora, entre alguns beijos que vinham naturalmente, tão natural quanto o respirar.

Tudo parecia muito novo para ele, a melodia que ele ouvia e nunca havia ouvido antes ficou na cabeça durante todo aquele dia enquanto trabalhava. O sono ainda não vinha tamanha era a excitação. Fechou os olhos por um instante e pediu que aquilo não passasse, desejou que eles ficassem para sempre do jeito que estavam naquele dia. Ele esqueceu de todos os conselhos dos amigos, esqueceu de não se apaixonar. Levou um susto, pensou nisso pela primeira vez, no estar apaixonado. Aquilo o assustava de uma forma meio louca, será que o amor assustava?

Ela tentava se concentrar no trabalho em vão, olhava o celular o tempo todo, nada. Será que ele não cumpriria sua palavra? Quando chegou a hora do almoço o telefone vibrou e havia uma notificação, o trabalho não rendeu mais pelo resto da tarde. Iriam jantar àquela noite mais uma vez, provavelmente iriam apenas dormir depois, afinal todos precisavam dormir. Ela se esqueceu dos conselhos das amigas, espere para não fazer nada que pudesse se arrepender, esqueceu de não se apaixonar. Ela levou um susto, pensou nisso pela centésima vez, e se assustou com medo de que aquilo pudesse terminar como nas outras vezes. Será que o amor assusta?

Aquela noite foi tão incrível quanto a outra e os dois conversaram por horas, mais um café a meia-noite. Agora a conversa era sobre as possibilidades, todas as que se apresentavam e se abriam diante deles. O novo mundo que os esperava, ele queria mostrar pra ela e ela pra ele. Nada no mundo parecia mais certo do que aquelas horas que eles passavam juntos. Há possibilidades no amor, é isso que a maioria das pessoas não percebem, tudo pode ser nada, nada pode ser tudo e o todo pode ser a coisa mais maravilhosa que existe.

Ele explicou para ela que Platão dizia que o amor tinha seus altos e baixos, como se fosse a batida de um coração, ele buscava sempre algo novo, não podia parar, se parasse, morria. Ela ficou completamente fascinada por aquilo, já conhecia a teoria, mas não se lembrava mais. Ela se perguntou: quanto tempo até morrer?

Três semanas se passaram e eles continuavam a se ver sempre que podiam, um pouco da realidade já caíra sobre os dois, mas eles não deixaram se abater. Havia a falta de tempo de ambos os lados, precisavam sobreviver, precisavam se alimentar. Mas os cafés à meia-noite tornaram-se cada vez mais comuns, as noites mal dormidas acabaram virando costume. Eram os minutos roubados que contavam. Havia uma festa, os dois foram juntos. Ele a apresentou aos amigos como sua “namorada”, ela se perguntou o que aquilo significava, mas logo que os dois começaram a dançar, tudo desapareceu e era como se estivessem dançando num globo de neve sozinhos.


Anos se passaram, o peso da cidade não os venceu. Eles continuaram sempre dançando num globo de neve, os cafés à meia-noite foram constantes, tudo o que ficou entre os dois foram os lençóis brancos – às vezes um dos dois filhos que tiveram juntos com medo do monstro embaixo da cama -, quando ele se cansou de dirigir, ela sempre pegou o volante. A melodia sem som continuou tocando ao redor deles e os embalando para sempre. Semana passada ele morreu, aos oitenta anos, morreu deitado em sua cama, à meia-noite, um café ao lado, ela olhando para ele com lágrimas nos olhos e toda aquela história se repetindo em sua cabeça, ela usava uma camisa dele, os dois pares de olhos verdes ainda eram intensos como aos vinte e cinco anos, entre eles só havia os lençóis brancos e nada mais. 

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