quinta-feira, 21 de maio de 2015

Ilusões


Aos que ainda acreditam em ilusões.

A chuva caía mais ou menos forte, o trânsito estava completamente parado. Juliana resolveu descer do táxi e continuar andando até sua casa, mesmo debaixo de tamanha chuva.

-Não sei como o senhor tem paciência de trabalhar nesse trânsito. Tome, aqui está o que lhe devo. Vou andando mesmo com a chuva pois me falta essa paciência. Muito obrigada. - Ela pagou ao taxista o que devia, tomou fôlego e desceu do velho gol branco. Dizia aquilo, mas na verdade não era verdade, estava descendo porque a conta seria exorbitante se continuasse parada naquele trânsito, mas para seu ego era melhor que pensasse que não tinha mesmo paciência. Ela usava um sobretudo preto, o cabelo preso no alto, lembrava Audrey Hepburn em Bonequinha de Luxo. Abriu uma pequena sombrinha preta que combinava e saiu andando. A cada passo que dava sentia como se fosse uma braçada no Atlântico.

Quando Juliana se aproximava do pequeno prédio de três andares no qual vivia, tentava tirar as chaves de dentro da pequena bolsa de mão que carregava, o chaveiro se foi ao chão. Ela resmungou e abaixou para pegar tropeçando nos próprios pés, quando pensou que a queda era iminente e que sua roupa seria arruinada, mãos de anjo a seguraram e a colocaram de novo em pé. Ela olhou e avistou à sua frente um homem belíssimo, cabelos louros milimetricamente penteados para o lado, os olhos azuis como o céu e um sorriso que mataria qualquer mulher.

-Obrigada, querido. – disse ela sorrindo debaixo da chuva.
-Acho que a senhorita perdeu sua chave também. – disse ele com uma voz grossa e profunda entregando o pequeno chaveiro de Torre Eiffel de volta à sua dona.
-Muito obrigada de novo, querido. E qual seria o seu nome?
-Paulo, e a senhorita?
-Juliana. – riu ela sem conseguir desviar o olhar dos olhos do rapaz.
-Não acha que deveríamos sair da chuva? – disse ele como se aquilo fosse a coisa mais natural do mundo. Juliana riu e concordou com a cabeça correndo até a entrada do prédio e abrindo a porta colocando uma certa força.
-O senhor vai entrar?
-Creio que sim, acho que sou seu novo vizinho.
Juliana sorriu satisfeita como se estivesse esperando ouvir aquilo.
-É o novo morador do apartamento quatro, querido?
-Exatamente.
-Moro no apartamento seis, é o último. Se quiser passar lá mais tarde para um café, ou um drinque. Ficaria feliz em agradecê-lo por ter evitado minha queda. – os dois subiam as escadas enquanto conversavam.
-Será um prazer, senhorita Juliana.
-Te espero às sete?
-Combinado.

Às sete como prometido, Juliana ouviu alguém batendo na porta. Ela se apressou a atender, Paulo estava ali parado, com um terno impecável, os cabelos penteados para o lado segurando uma garrafa de vinho.

-Entre querido. – convidou Juliana dando espaço.
-Você é muito mais bonita quando não está molhada. – ele riu.
-Posso dizer o mesmo. – Juliana estendeu uma taça e colocou um pouco de vinho nela, mais ou menos até a metade, os dois brindaram sem dizer absolutamente nada e tomaram um gole. Os olhos azuis de Paulo a olhavam como os de um caçador que mira sua caça e teme perdê-la. E de fato, era mais ou menos assim que Paulo se sentia: com medo de perdê-la. Não conseguia se lembrar de ter visto em toda a sua vida uma beleza tão única quanto a dela, parecia que diante das luzes dos abajures espalhados pelo apartamento perfeitamente arrumado e decorado, a pele de Juliana brilhava. Tinha um brilho diferente e único.

Juliana sentia como se o mundo tivesse sido preto e branco até então. Mas ela não podia demonstrar, manteve sua pose, manteve-se no salto alto, no salto agulha até não poder mais. Os dois conversaram sobre diversas coisas naquela noite, sobre as mais variadas, desde as mais bobas até as mais sérias. Juliana descobriu que Paulo queria ser um escritor de romances policiais, mas que nunca conseguira terminar um livro. Paulo descobriu que Juliana era decoradora de apartamentos de alto padrão em São Paulo e que havia namorado o mesmo rapaz por cerca de cinco anos, ele a abandonou pois se apaixonou pelo melhor amigo. Desde então, isso já fazia dois anos, ela esteve solteira. Juliana descobriu que Paulo nunca teve uma namorada séria, mas que teve vários casos com mulheres mais velhas e que elas o pagavam para que fizesse companhia. Ele dizia que precisava de um sustento enquanto escrevia e que esse era o que menos lhe sugava, apesar do ensino superior em literatura, ele não cogitava dar aulas, gostava mesmo de escrever e queria ganhar a vida fazendo aquilo.

Um relógio cuco na parede bateu três horas da manhã, Paulo decidiu que era hora de retornar ao seu apartamento. Ele nunca ficaria até o sol raiar, sempre iria embora. Pensava que talvez aquilo fosse uma espécie de padrão que não conseguia quebrar por algum motivo, talvez um trauma da infância. Sabia que isso deixaria Juliana sempre chateada, sempre faria com que ela se sentisse rejeitada de alguma maneira. Mas que ela não desistiria, ela não desistia daquilo que realmente queria.

Eles estavam se vendo por quase dois meses, e Juliana decidiu dizer que gostava dele e que tinha medo por isso. Paulo, como sempre, cortou e encerrou todas as possibilidades ali. Não continuariam, seriam amigos. Nada mudaria na vida dos dois, tudo permaneceria. Paulo pensava nisso: na permanência, Juliana preferia sempre a mudança. Ele sumiu, ela deixou. Talvez os relacionamentos se resumam a isso: ilusões que vem, nos tomam por completo e, em algum momento, uma das partes se sente ameaçada e foge, e aí a ilusão acaba e a realidade solitária e preto e branco retorna e fica nos rondando até o momento da próxima ilusão.


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