Aos que procuram.
Só
se conseguia ouvir as respirações profundas, os gemidos, quase não se via nada no
quarto escuto. Ali apenas uma fraca luz vinda de fora, aquela noite não tinha
lua. Um deles parou ofegante, sorriu por um instante e voltou a beijá-lo.
Eles
haviam se encontrado um ano antes numa lanchonete à beira da estrada, haviam
tido uma das melhores conversas de suas vidas. Aquilo havia mudado
completamente o curso da história. Guilherme mudara o curso de sua viagem, a
Bahia teria que ficar para outra hora. Enquanto ele dirigia sua velha
caminhonete, pensava no que estava perdendo, aquela ligação ele nunca mais
encontraria. Lucas tentou tirar sua mente daquele encontro e voltou para São
Paulo, durante um ano inteiro ele se tratou, tratou de sua ansiedade, lutou
contra a depressão que batia sempre em sua porta. Guilherme o procurou. Por um
ano ele tentou encontrá-lo. Fosse nas redes sociais, fosse nas ruas amontoadas
de gente.
Uma noite,
desanimado e desencantado, com a certeza de que nunca mais veria Lucas, se
enfiou em um boteco qualquer na Augusta. Sentou-se no balcão e pediu uma
cerveja, ficou ali observando o movimento, a cabeça longe, muito longe. Parecia
que ele não estava mais ali, Salvador voltou à sua mente. Talvez fosse o
momento de retomar a ideia, voltar ao desapego, sair daquela cidade outra vez.
Fugir de tudo, nada mais o prendia ali. De repente, o tempo parou. Sorrindo de
uma forma encantadora, Lucas passou pela calçada apinhada de gente que bebia,
ria e conversava. O coração de Guilherme acelerou, ele saiu correndo sem pagar
a cerveja. Ficou dois segundos parado procurando, viu que ele estava
atravessando a rua, se meteu entre os carros que buzinaram para ele. Lucas e os
amigos viraram para ver o que estava acontecendo na rua. Lucas podia jurar que
seu coração parou de bater por alguns segundos, ele ficou branco e começou a
suar imediatamente apesar do vento frio, Guilherme parou na sua frente. Os dois
sorriram.
-Salvador
mudou de lugar? – perguntou Lucas sorrindo.
-Não,
Salvador continua lá. Eu que nunca cheguei. – disse Guilherme meio sem graça
reparando que os amigos de Lucas olhavam para aquilo sem entender nada.
-Por
quê?
-Lembra
que eu disse que estava deixando São Paulo porque...
-Nada
mais te prendia aqui. Sim.
-Pois
é, achei alguma coisa que me prendeu de novo.
Lucas
ficou vermelho, sabia que não era por causa do vento frio. Ele abaixou a cabeça
e mordeu o lábio inferior.
-Lucas,
você não vai apresentar o moço? – perguntou um rapaz com a voz anasalada e o
cabelo pintado de branco.
-Esse
é o Guilherme... A gente se conheceu faz um tempo. Por aí. Guilherme, esses são
meus amigos...
-Quer
tomar uma cerveja? – ele interrompeu correndo o risco de ser um pouco grosseiro
– Na verdade, acho que não paguei a que eu estava tomando ali.
-É
que eu estou com eles... Nós íamos dançar e... – ele pensou melhor – Tudo bem.
Gente, eu ligo pra vocês mais tarde, ok?
Os
três rapazes que estavam com ele pareceram ficar meio aborrecidos mas
concordaram sem dizer mais nada. Lucas e Guilherme voltaram ao bar onde a
cerveja não tinha sido paga e continuava no balcão vazio, aparentemente ninguém
percebera.
-O
que houve? – perguntou Lucas parecendo genuinamente curioso.
-Já
te disse, achei alguma coisa que me prendesse aqui.
-O
que?
-Uma
pessoa.
-Arrumou
uma namorada? – perguntou Lucas com seu coração batendo forte como um tambor no
peito, ficou com medo que Guilherme pudesse ouvir.
-Acho
que não... – Guilherme desviou o olhar.
-Qual
seu livro preferido agora? – perguntou Lucas sorrindo.
-Continua
sendo On The Road e o seu?
-Acho
que A Mulher Desiludida.
-Simone
de Beauvoir? – aquele sorriso que há um ano Guilherme não tirava do rosto
reapareceu.
-Isso
mesmo. Já leu?
-Li
sim... Achei angustiante no mínimo.
-O
existencialismo é angústia pura, né?
O
garçom colocou mais uma cerveja ali e um copo na frente de Lucas que pegou e se
serviu.
-Como
anda sua ansiedade? – perguntou Guilherme.
-Bem,
eu to bem melhor. Bem melhor mesmo! Nem parece que continuo vivendo aqui. –
Lucas riu tomando um gole de cerveja.
-Que
ótimo! Fico feliz em saber.
-Coincidência
a gente se encontrar, né?
-Você
acredita em coincidências?
-Às
vezes... A vida é meio contingente, não acha?
-Pra
algumas coisas. Acho que pra outras é mais uma questão de... Destino? –
Guilherme pareceu meio inseguro daquela palavra.
-Destino?
Forte... Não sei. Talvez. Mas em que tipo de situação?
-Amor.
Lucas
ficou vermelho e dessa vez não tinha a desculpa do vento já que estavam em um
ambiente interno.
-Desculpa...
– Guilherme ficou automaticamente sem graça.
-Não!
Tudo bem... Tá tudo bem. Eu... Eu só fiquei surpreso. Não achei que você se
sentisse assim.
-Eu
percebi no momento que comecei a dirigir, me arrependi de não ter pego seu
telefone, e-mail, nome completo. Qualquer coisa. Achei que nunca mais fosse te
encontrar... Fiquei o ano inteiro te procurando.
-Sério?
– Lucas pareceu surpreso.
-Sério...
Louco, né?
-Um
pouco... Mas nem tanto.
Guilherme
suspirou um instante. E tomou coragem:
-Quer
ir pro meu apartamento? É aqui perto... É bem pequeno e simples, mas...
-Quero.
Vamos.
Os
dois caminharam até o pequeno apartamento na Bela Vista, subiram juntos e como
se aquilo estivesse guardado por todo aquele ano, se beijaram. Os dois
começaram a tirar as roupas e caíram juntos na cama. Não sentiam mais frio. Só
se conseguia ouvir as respirações profundas, os gemidos, quase não se via nada
no quarto escuto. Ali apenas uma fraca luz vinda de fora, aquela noite não
tinha lua. Um deles parou ofegante, sorriu por um instante e voltou a beijá-lo.
O prazer foi quase que incomensurável, Lucas pensou que aquilo era o que
chamavam de fazer amor, ele nunca o tinha feito. Guilherme pensou a mesma
coisa. É raro. Quando dois universos tão distantes e tão próximos ao mesmo
tempo acabam se cruzando e se unem, tornam-se um só. Como se fosse algo
completamente natural. Ambos os corações martelavam como tambores indígenas que
indicavam uma guerra se aproximando. Não existia mundo fora daquele quarto,
fora daquela cama. Tudo se resumia às duas peles e aos pelos que se
embaraçavam, a saliva que era trocada, ao suor que se misturava. Um ano
buscando o outro, um ano reencontrando a si mesmo, aparentemente nem tudo é
contingente. Às vezes, em alguns assuntos, a vida acaba sendo diferente. Tudo
no mundo tem seu próprio tempo.
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