sexta-feira, 8 de maio de 2015

Castelo no Céu



Para a Lígia que me pediu uma história fantástica e para o Breno que me fez perceber que eu tenho que fazer as duas vozes na minha cabeça conversarem.

O céu estava rosa. Liza não sabia o que aquilo significava ou onde ela estava, as nuvens eram de um azul muito claro, e elas se misturavam numa figura que parecia um grande castelo no céu. A última coisa que se lembrava era de estar em seu quarto com sua pequena gatinha e de repente uma luz muito forte entrar por sua janela e chamas azuis a envolverem. Ela perdeu a consciência e acordou naquele lugar estranho. Ela estava deitada num enorme deserto, nada havia ali além do céu e das nuvens que se pareciam com um castelo enorme.

Liza se levantou e percebeu que sua calça jeans estava rasgada no joelho, seus tênis All Star haviam desaparecido e ela estava descalça, sua camiseta não estava mais preta, mas roxa. Não tinha muita escolha senão andar, ela tinha certa dificuldade para andar encima da fofa areia que só agora, ela percebia, tinha uma tonalidade mais vermelha do que o normal. De repente algo chamou sua atenção. Havia a sua frente um grande lobo branco com os olhos azuis, muito penetrantes. Ela se perguntou como era possível um lobo em um deserto. Chegou a conclusão que aquilo não fazia o menor sentido, mas o lobo estava ali parado olhando para ela da forma mais penetrante possível. Ela se aproximou. O lobo fez uma mesura, ele era enorme. Ela entendeu logo e montou nas costas do animal. Ele começou a correr e de repente estava alçando voo, Liza podia sentir o vento balançando seus cabelos negros e tinha que fechar um pouco seus olhos puxados, o lobo voava em direção ao castelo.

De fato, ali havia um imenso castelo prateado. Ele estava escondido nas nuvens, como se elas fossem um enorme escudo, o lobo pousou num enorme jardim que ficava fora do castelo. Liza desceu e quando percebeu o grande animal branco já havia sumido. Ela começou a reparar nas plantas do jardim, elas eram todas fluorescentes, havia flores verdes, azuis, vermelhas, roxas, amarelas, rosas. Uma enorme fonte com água dourada ficava no centro, logo atrás um enorme portão de prata que devia levar para dentro do castelo.

Tomada por uma certa ansiedade ela atravessou o portão, o corredor de entrada do castelo era tomado por uma centena de quadros, havia não só pessoas, mas animais pintados neles e todos pareciam vivos, no topo, logo acima uma enorme escadaria no final do corredor, havia o quadro de um enorme dragão dourado com olhos verdes. Seus olhos pareciam esmeraldas colocadas ali propositalmente para assustar os curiosos como Liza. Ela se sentia hipnotizada por aquele animal mítico. Sentiu um calafrio na espinha e desejou estar em seu quarto com sua gatinha uma vez mais. Mas não podia parar agora, por isso começou a subir as escadas, logo ao final do primeiro lance viu uma raposa. Mas não uma raposa comum, seu pelo brilhava como a luz da lua, e ela possuía nove caudas, em cada uma dessas caudas havia uma chama azul que parecia dançar. Ela percebeu que se parecia  com a mesma chama azul que aparecera em seu quarto.

-Foi você quem me trouxe aqui? – perguntou Liza um pouco amedrontada.

-Sim. – a raposa respondeu sem mexer a mandíbula, parecia que a voz estava ecoando dentro da cabeça de Liza e ela era poderosa, assustadora, mas ao mesmo tempo tranquilizadora.

-Por quê? – Liza se aproximava aos poucos da belíssima raposa.

-Há perguntas que não podem ser respondidas, Liza. São fatos que devemos simplesmente aceitar, nesse ou no outro mundo. Não importa. Apenas aceite.

-Mas... Eu não entendo.

-Talvez morra sem poder entender. Você tem uma missão.

-Missão? Aqui? Onde é aqui?

-Você faz perguntas de mais.

Liza se sentiu irritada com aquela colocação da raposa, e ela deve ter percebido isso pois logo voltou a falar.

-Apenas deixe que a história te dê as respostas que procura menina. As respostas podem mudar. O futuro não é algo definido.

-Eu tenho que continuar a subir então.

-Assim é. Posso lhe responder onde você está.

-Onde?

-Esse é o Castelo no Céu, aqui não há súditos, há realeza e um rei. Não há quem se governe, mas há os que governam.

Dito isso, as chamas dançantes espalhadas pelas nove caudas da raposa se mexeram rapidamente envolvendo-a e a circularam fazendo-a desaparecer. Liza respirou fundo e continuou subindo, a escada tornava-se circular de repente. No próximo andar havia um corredor com muitas portas, a maioria delas estavam abertas, mas havia uma no meio que parecia desgastada e antiga, estava fechada. Liza se aproximou e colocou o ouvido nela. Ouviu um choro. Olhou para os lados e agora só havia o corredor e nada mais, a escada havia sumido e agora ela encontrava-se num corredor mais ou menos iluminado, as portas abertas haviam desaparecido e só restava aquele caminho. Tremendo um pouco e suando ela girou a maçaneta e sem muitos problemas a porta se abriu completamente.

O quarto era mal iluminado, embora houvesse uma janela que dava para o jardim no qual ela aterrissara com o lobo, uma cama de metal branca, uma escrivaninha e alguns brinquedos jogados pelo chão. Ela pensou ter reconhecido uma de suas bonecas preferidas quando era criança, foi só depois disso que se deu conta que ali havia uma criança em posição fetal, sentada entre a cama e a escrivaninha, a criança chorava.

-Oi... Você está bem? – perguntou Liza se aproximando da criança, percebendo que era uma menina.

-Eles estão brigando de novo... Por que eles não param de brigar? – disse a criança entre soluços. Liza parou por um instante, mas não ouvia ninguém brigando.

-Não tem ninguém brigando. Você deve estar imaginando coisas, esqueça isso. Onde estão as outras pessoas desse castelo?

-Eles estão brigando de novo... Por que eles não param de brigar?

A menina não se movia, ela repetiu a mesma pergunta, na mesma tonalidade e entre os mesmos soluços de antes. Liza sentiu um frio de repente e ficou inexplicavelmente nervosa.

-Não tem ninguém brigando, menina! E se eles estiverem brigando, o problema é deles não seu! Você não tem culpa nenhuma disso! Você não pediu pra nascer! Levanta daí e vai brincar!

A menina a olhou com as lágrimas nos olhos e disse:

-Eu acho melhor eles não ficarem mais perto um do outro.

Aquilo atingiu Liza de uma forma quase que completa, sentiu um balde de água fria caindo sobre ela.

-Talvez... Talvez seja melhor. Talvez seja melhor pra você. Menina...

Ela olhou de volta para Liza relaxando um pouco.

-Não deixe que eles definam sua vida.

A menina sorriu e se levantou e foi brincar com a boneca jogada no chão, Liza olhou por alguns instantes e se sentiu um pouco menos pesada do que estava, aliás, ela só havia percebido que pesava naquele instante. Ela saiu do quarto, as outras portas não estavam mais ali, mas havia uma nova escadaria no final do corredor, esta era feita de pedra. Ela tomou fôlego e voltou a subir.

O próximo andar era um corredor mais largo, as portas todas brilhavam, mas havia mais uma que não o fazia. Nesse corredor havia barulho, pessoas riam e brincavam pelo que ela pode perceber. Mas não havia qualquer som vindo daquela porta. E não havia, novamente, uma escada para subir. Ela sabia que teria que entrar naquele quarto, foi exatamente o que fez. Seu queixo caiu assim que abriu a porta. Ali estava o deserto no qual havia chegado naquele mundo tão estranho, a porta vista por fora era dourada. O deserto não estava mais vazio, havia ali um camelo. Ele estava deitado sobre suas patas, a corcova parecia usada e cansada e ele trazia uma expressão de desalento.

-Você veio. – disse o camelo levantando um pouco o pescoço para ver Liza. Ela se assustou com o fato de um camelo falar, mas pensou melhor e já havia visto um lobo que voava e uma raposa de nove caudas.

-Você estava me esperando? – perguntou ela desconfiada.

-Por muito tempo, Liza.

-Por quê?

-Porque temos que conversar. Muitas pessoas subiram na minha corcova, o que você acha disso?

Liza pareceu confusa por ouvir uma pergunta daquelas vinda de um camelo.

-Por que elas não subiriam se você as deixou?

-Justamente. Eu gostaria de saber quais os motivos que me fizeram deixar. – o camelo suspirou e encostou a cabeça em um monte de areia vermelha que estava ali perto.

-Talvez porque seja você...

-Sim. Eu tenho que obedecer e aceitar. É assim que sou. Tenho que ser de alguma servidão aos outros, ajudá-los com o que eu puder. Não posso ser de qualquer outra forma, pois assim eu sou.

-Entendo... Talvez você tivesse que mudar.

-Mudança? Acho que não. – o Camelo olhou para o horizonte, de repente um portal apareceu logo à frente. – Acho que tenho que ir por ali.

-Por aquele portal? O que tem lá?

-Você precisa ir para descobrir. Quer que eu a leve?

-Eu posso ir andando, obrigado.

Os dois seguiram lentamente, o Camelo com muita habilidade para andar nas dunas de areia fofa e Liza tropeçando aqui e ali tentando se equilibrar. Os dois passaram pelo portal, ainda estavam num deserto, mas as areias agora eram de uma cor diferente, elas se misturavam entre um azul escuro e um branco que quase cegava com a luz rosa que vinha do céu. O Camelo estremeceu ao lado de Liza e se curvou. Liza não estava entendendo o motivo daquilo, até que debaixo da areia branca, ela conseguiu ver dois brilhos muito verdes, parecendo esmeraldas. Ela logo pensou no quadro que vira do dragão no topo da primeira escadaria. Logo, com um enorme tremor e uma ventania o dragão se ergueu, abrindo suas enormes asas. Ele era imponente, assustador, deveria ter cerca de cinco metros de altura. Liza estremeceu por um instante, mas não se curvou.

-Por que não te curvas menina? – perguntou o dragão, e sua voz fez tudo estremecer.

-Por que eu deveria? – Liza parecia ter tirado coragem de algum lugar dentro de si que não conhecia.

-Insolente! Porque simplesmente deves! Sou o Rei!

Ela se lembrou das palavras da raposa, talvez fosse ele aquele que governava o castelo no céu, mas ela havia dito no plural.

-Ele se aproxima. – disse o Camelo ainda curvado ao lado de Liza e tremendo todo.

-Quem se aproxima? – perguntou Liza diretamente ao camelo, mas sem tirar os olhos do dragão.

-O Maldito! – bradou o enorme Rei.

Liza esperou alguns instantes, pensou ouvir um barulho forte e assustador vindo da direção oposta a do dragão. Ela se virou e avistou algo dourado que se aproximava, ele vinha rápido e quanto mais se aproximava, mais a menina podia distinguir a figura da besta que corria. Era um enorme leão, ele tinha a juba em chamas e vinha com um olhar feroz, seus olhos pareciam dois cristais.

-Você voltou! – disse o Rei balançando sua enorme cauda.

-Jamais deixaria este lugar sem antes derrubar-te, Rei! – a voz do leão pareceu a Liza a voz de um herói de filmes. – Menina Liza, obrigado por me trazer até aqui.

-Eu te trouxe aqui? Como?

-Algumas respostas são dadas pelo tempo. – disse ele gentilmente. O camelo ao lado de Liza parecia mais relaxado, e impressionado ao mesmo tempo.

O dragão e o leão se olharam, um ameaçava o outro. As areias de ambas as cores começaram a se agitar, de repente, do lado de Liza apareceu a menina que encontrara antes, ela segurava sua boneca.

-O que você está fazendo aqui? É perigoso! – gritou Liza ao mesmo tempo que o leão avançou sobre o Rei. Logo o lobo branco apareceu ao lado da menina e balançou a cabeça afirmativamente para Liza. Ela entendeu que não havia perigo para eles. Os dois lutavam incessantemente.

-Finalmente vai acabar. – disse o camelo.

-E vai começar de novo. – disse a menina.

Liza não conseguia entender muito bem, quando olhou de volta para a luta, viu ao fundo a raposa que vinha correndo com suas nove caudas e nove chamas, quando os dois iriam dar o golpe final, a raposa pulou entre os dois. Uma enorme explosão de luz aconteceu, Liza fechou os olhos e perdeu os sentidos.

Ela estava no mesmo lugar quando acordou, o céu estava mais para o roxo do que para o rosa, à sua frente havia uma porta que brilhava com todas as cores do arco-íris, não havia parede que a segurasse, era uma porta alta e bonita. Liza sabia que não poderia dar a volta, tinha que passar por ela. Foi o que fez. Ela estava num quarto de bebê agora, havia um belíssimo berço no centro. Perto dele, a raposa caída. Liza correu para ver como ela estava.

-Você está bem? – perguntou Liza parecendo meio desesperada.

-Você está bem? – perguntou a raposa de volta. Liza se surpreendeu.

-Sim... – ela realmente estava bem.

-Que bom. Liza, me coloque no berço, por favor.

Liza pegou a raposa que agora estava muito menor do que na primeira vez que se viram e a colocou com cuidado dentro do berço. Assim que a cabeça da raposa encostou o travesseiro, as chamas azuis voltaram a envolvê-la, e em seu lugar apareceu um bebê. Ele sorria e brincava. Liza não conseguia entender. Atrás dela, o lobo branco apareceu ela olhou para ele e perguntou naturalmente:

-Está na hora de eu voltar pra casa?

O lobo balançou a cabeça afirmativamente e uma enorme luz o envolveu, quando percebeu, Liza estava novamente em seu quarto com sua gatinha deitada na cama com ela. Não, aquilo não havia sido um sonho.





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