quarta-feira, 15 de abril de 2015

Meio do Caminho

Abril de 2015.
Para a Andréia que me faz falta nos momentos de medo.




Já fazia dez dias que Andréia não conseguia pensar em outra coisa, acontecia o tempo todo. Quando ela menos esperava, lá estava. No meio do trabalho, no meio da aula, no ônibus lotado, na cama, impedindo que ela dormisse. E eles apenas haviam se visto três vezes, ficaram, tiveram uma noite fantástica, engraçada. Mas talvez não passasse daquilo, talvez fosse tudo. Duas pessoas diferentes que ficariam para sempre no meio do caminho.

Era um final de tarde chuvoso em São Paulo, o metrô estava lotado, ela subiu num vagão em direção ao Tatuapé na Sé. Foi empurrada para dentro do trem, não conseguia mais se mexer, não conseguia nem respirar direito. Tentou olhar o relógio de pulso para ver se estava atrasada. Ainda tinha algum tempo. Marcara com Mariana às 19h na Praça Silvio Romero. Faltava ainda uma meia hora... Meia hora que não passava. Ela precisava contar aquilo para a amiga logo, antes que explodisse em lágrimas. Naquele momento o maquinista anunciou “Velocidade reduzida devido a usuário na linha na estação Corinthians – Itaquera”, algumas pessoas reclamaram e Andréia pensou alto.

-Puta que pariu! Porque não se mata de madrugada?! – logo que percebeu ter dito isso em voz alta ficou vermelha e desejou enfiar a cabeça no meio de todas aquelas pessoas. Alguns riram, outros fizeram uma cara feia como se ela tivesse tido um absurdo quase imperdoável. O trem voltou a se mexer logo em seguida, às 18h55 ela chegou na estação Tatuapé, subiu atropelando as pessoas. Mandou uma mensagem para Mariana dizendo que estava chegando. Logo quando avistou a amiga sentada num banco comendo um cachorro-quente, seu rosto se iluminou e um sorriso extremamente espontâneo se formou.

-Oi, gatinha. – cumprimentou Mariana retribuindo o sorriso.

-Amiga, que bom te ver! – disse Andréia enquanto se jogava nos braços da amiga quase derrubando seu cachorro-quente.

-Opa! A coisa é séria. Amor de mais. – ela zombou.

Andréia começou a explicar a história, conhecera o rapaz pela internet, saíram uma vez, na segunda vez passaram uma das noites mais divertidas que ela já tivera, no terceiro encontro almoçaram pela região da Paulista, perto do trabalho de ambos. Expôs o problema muito claramente: tinha medo de tudo aquilo ser apenas mais uma viagem até a metade do caminho, tinha medo que aquilo, mais uma vez, não se realizasse. Apesar de ter dito ao rapaz que nunca tinha acontecido nada com pessoas que conhecera pela internet, ela sabia que já e que todas as tentativas haviam acabado antes do que ela esperava. Mas daquela vez era diferente, Andréia se sentia diferente em relação ao rapaz. Talvez fosse seu sorriso ou porque ele a fazia rir. Ela queria ter aquela experiência com aquela pessoa. E ela não era daquele jeito normalmente. Ela havia se acostumado com as viagens curtas.

-Déia, às vezes é assim mesmo... A gente fica no meio do caminho e não tem muito o que fazer. – disse Mariana.

-De novo Mari? Eu to cansada do meio. – seus olhos lacrimejaram um pouco.

-Sem choro. Continua investindo então...

-Odeio essa incerteza!

-Esse medinho faz parte! É super bom! É super legal! – ela tentava fazer aquilo parecer uma coisa fácil.

-Fácil falar, Mari... E o medo? Medo de me machucar outra vez.

-Do chão não passa.

-Mas... Ai, tá bom.

-Cachorro-quente? – perguntou ela acenando com a cabeça para o carrinho ali parado.

-Acho que sim, to com fome mesmo.

-Quando você vai encontrar com o cara de novo? – perguntou Mariana enquanto a amiga pedia o cachorro-quente completo.

-Não sei, não combinamos nada. Ele é bem ocupado.

-Então deixa pra se preocupar quando vocês forem se ver de novo, porque ainda não foi nem a metade do caminho, então de uma forma ou de outra ainda tem um pouco pra se caminhar.

Andréia apenas sorriu. Sabia que Mariana estava certa, mas a vontade de aquilo tudo dar certo era grande de mais e ela não sabia lidar muito bem com essas vontades que parecem maiores que a gente. Às vezes, Andréia pensa que é feita de porcelana chinesa, que se cair quebra e não se conserta mais. Nunca mais. Mas aí se lembra que não é bem assim, que o problema é apenas essa ansiedade que é reflexo de São Paulo, da agitação, do metrô lotado, da garoa, do usuário que se joga na linha de metrô porque não aguenta mais, porque não quer mais viver ali de forma nenhuma. Porque a cidade o derrotou, derrotado por sua força, por sua grandeza. Ela se lembra das noites de insônia em seu quarto, sendo derrotada aos poucos pela cidade, sendo massacrada no dia seguinte de manhã quando ia dar aula sem dormir nada, vivendo de café, quando não conseguia trabalhar direito por falta de condições. Lembra-se de seus alunos, vencidos desde que vieram ao mundo, sendo oprimidos e massacrados por um sistema cruel o tempo inteiro. Seu medo lhe parece egoísta, mesquinho, mas ainda assim, ela é paulista, o medo permanece. Talvez ele vá embora, talvez ele fique mais um tempo, talvez ela vá até a metade do caminho mais uma vez. Ela espera que não, espera que dessa vez funcione, ela gosta do rapaz e está cansada de ser vencida sozinha por São Paulo.




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