Abril
de 2015.
Aos Capitães do Asfalto que eu tive a
honra de ensinar alguma coisa;
A todos os Capitães do Asfalto que essa
cidade abriga.
As
ruas escuras eram os locais preferidos dos Capitães do Asfalto, era muito mais
fácil de assaltar ali. Claro, eles tinham padrões, jamais assaltavam pais com
crianças, velhos e nem negros. Jamais assaltavam qualquer pessoa que vivesse no
bairro e, de forma alguma, assaltavam trabalhadores. Eles passaram a se chamar
de Capitães do Asfalto depois que um professor da escola havia lhes contado a
história de um livro de algum autor brasileiro, daqueles antigos, sobre um
grupo de meninos que viviam em Salvador e assaltavam para sobreviver, o nome do
livro era como o grupo era chamado: Capitães
da Areia. Um dia Carlos decidiu que eles se chamariam Capitães do Asfalto.
Os
tempos eram completamente diferentes, mas as circunstâncias eram as mesmas, ou
muito parecidas. Alguns dos meninos daquele grupo não tinham pais, moravam com
os avós ou os tios, outros moravam com a mãe e mais vários irmãos. Todos eles
eram negros e cresceram na periferia de São Paulo, estudavam, é claro, em
escolas públicas e mesmo quando saíam apenas para passear, as pessoas brancas e
que tinham dinheiro os olhavam torto nas ruas. Como se eles não fossem dignos
de ser vistos ou como se simplesmente não pudessem estar ali frequentando os
mesmos lugares que aqueles de olhos claros e a cabelos dourados. Isso os fazia
se sentir animais. Isso revirava seus estômagos. Na escola, os professores não
gostavam deles, a maioria fingia que eles não existiam e, talvez, para mostrar
que estavam ali, faziam quanta bagunça conseguissem. Não havia calor ou lugar
para eles na sociedade, ninguém se importava.
Uma
certa tarde, Carlos, Juninho, Luquinhas, Fabio e o Tinho estavam sentados num
escadão próximo a escola, eles conversavam sobre as coisas mais diversas:
mulheres, os assaltos, diversão. De repente, como se aquilo tivesse aparecido
como um anjo entre os meninos, Luquinhas disse:
-Será
que alguém dá a mínima pra nós?
-Cê
bebeu, parça? – perguntou Fabio rindo.
-To
falando sério, caralho.
-Tá
pensando nisso porque, Luquinha? – perguntou Carlos parecendo curioso.
-Sei
lá, porra... Passou pela cabeça.
-Acho
que você tá pensando de mais, fera. – disse Tinho.
-Deixa
o cara. Vocês nunca perguntaram isso pra vocês não? – defendeu Juninho.
-Claro
que esses porra não liga pra nós. – disse Fabio com um claro tom de raiva em
sua voz.
Nenhum
deles falou mais sobre o assunto durante aquela tarde, eles ficaram ali jogando
conversa fora enquanto a tarde quente terminava, o sol se punha laranja no
horizonte. A noite se aproximava e com isso, o ganha pão dos Capitães. Era Copa
do Mundo no Brasil, e eles sabiam que haveria muitos gringos pela Paulista e
Augusta, por mais arriscado que fosse, é ali que eles iriam trabalhar naquela
noite. Pegaram suas bicicletas velhas e mal tratadas e se dirigiram ao local de
trabalho.
Eles
se espalharam, o relógio de Juninho marcava dez da noite, as ruas estavam
apinhadas de gente, quase não havia espaço para os carros que passavam buzinando
ou tocando música muito alta. Luquinhas pensou nunca ter ouvido tantas palavras
diferentes de uma só vez, aquilo parecia atordoá-lo um pouco. Ele andava
devagar tentando encontrar alguém que fosse fácil e perto de uma rota de fuga
boa. Na esquina da Peixoto Gomide ele viu uma briga acontecer, a moça se
levantou e saiu correndo em direção a Rua Augusta, ele a seguiu, viu que ela
entrou num lugar meio escondido com uma placa de neon vermelho que piscava um “Insônia
Café”, ele ignorou e decidiu procurar outra pessoa. Logo viu um senhor de mais
ou menos uns trinta anos, ele estava com a carteira na mão. Era a presa
perfeita. Luquinhas se antecipou, pegou a carteira da mão do homem fazendo-o
cair, virou a primeira rua e desapareceu na multidão. Seu coração estava a mil,
o sangue na cabeça e a adrenalina percorria todo o seu corpo sem parar. Ele largou
a bicicleta na guia, sentou-se na calçada e abriu a carteira, viu que o homem
não era brasileiro, havia alguns dólares misturados com três notas de cem
reais. Ele havia feito um negócio excelente. Mandou uma mensagem no grupo aos
outros meninos que dizia: “fechei a porra toda, 300 barão”. Carlos respondeu
dizendo que eles se encontrassem no escadão em meia hora. Luquinhas tinha algum
tempo, a rua estava deserta. Ele deitou e respirou. Fechou os olhos e quando
abriu de volta, um velho o olhava de cima.
-Mas
que porra é essa?! – disse ele se levantando de um salto. O velho olhou para
ele com os olhos muito azuis sorrindo para ele.
-Está
tudo bem, filho? – perguntou ele com a voz um pouco cansada mas muito amável.
-De
boa. – respondeu Luquinhas meio ríspido ainda desconfiado.
-O
que faz aqui deitado? Não tem uma casa?
-Lógico
que eu tenho, porra.
-E
por que não está lá? Seus pais devem estar preocupados.
-Não
tenho pais.
-Entendi.
– eles se olharam por alguns instantes, Luquinhas foi pegar a bicicleta quando
o velho finalmente disse: Me chamo Jorge.
-Bom
pro senhor. – respondeu ele querendo sair dali logo.
-Você
é um moleque bem esperto.
-E
por que você acha isso aí?
-Você
tem uma estrela no lugar do coração, meu filho.
-Quê?
– Luquinhas achou que aquilo era a coisa mais bizarra que já ouvira antes. –
Olha, eu tenho que sair fora, os meus parça tão esperando. Falou aí pro senhor,
seu Jorge.
-Até
mais. – disse ele sorrindo enquanto o menino pedalava para longe.
Alguns
minutos depois, encontrou os amigos no escadão. O velho Jorge não lhe saía da
cabeça e ele parecia muito confuso, provavelmente sua fisionomia estava
diferente, pois logo Carlos disse:
-Cê
tá de boa parça?
-Tranquilo.
É que encontrei um velho doido... Ele disse um bagulho muito escroto.
-Queria
te comer, Luquinha? – zombou Tinho.
-Não,
seu pau no cu. Ele disse que eu tinha uma estrela no lugar do coração.
-Que
bagulho gay! – riu Fabio.
-Porra
mano, esquece isso aí. Hoje nós vai comer feito rei. Que tal uma pizza? – disse
Carlos por fim. Os meninos concordaram e foram para a pizzaria mais próxima
rindo. A verdade é que aquele velho nunca mais saiu da cabeça de Luquinhas, uma
noite ele resolveu interpretar aquilo da maneira que quisesse, foi na noite que
Juninho foi morto pela polícia enquanto andava pela rua, mesmo sem ter feito
absolutamente nada naquela noite. Ele se levantou, pegou suas poucas roupas,
colocou na mochila que ganhara do governo e saiu do cortiço que vivia com os
outros amigos. Ele passou a ser Lucas, voltou à escola e com um esforço quase
sobre-humano conseguiu conquistar algumas poucas coisas em sua vida. Lucas
jamais se tornou uma pessoa rica, trabalhou duro a vida inteira. Quando
terminou a faculdade, passando por um sebo, viu aquele velho livro do qual um
professor da escola havia dito há muito tempo atrás, ele pegou o livro em sua
mão, viu o nome do autor: Jorge Amado. Jorge como o velho, abriu o livro e viu
um nome escrito, o mesmo nome de seu antigo professor. Ele comprou o livro e
enquanto lia, encontrou conforto, reencontrou seus amigos e aquilo mudou sua
vida, ele leu sobre as pessoas que tem estrelas no lugar do coração e se
emocionou. Lucas entendeu.

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