Aos alunos, colegas e amigos que deixo
na memória e que povoaram minha vida e meu imaginário pelos últimos dois anos,
obrigado pelos ensinamentos, pelo carinho, pelas lembranças.
Ele
olhou o prédio acabado, pintado de azul com as grandes que o circulavam,
algumas árvores mal tratadas na entrada. Fechou os olhos e ouviu o barulho que
vinha de dentro, os alunos falavam alto, riam de alguma coisa, outros batiam
palmas, uma lágrima rolou pelo rosto. Aquilo funcionava sem ele, ele não era
parte necessária de nada. Ninguém é necessário nessa cidade. Mas ele sabia que
algo havia feito ali. Os últimos dois anos haviam sido anos de um aprendizado
sem igual, um crescimento imenso que o transformara numa pessoa completamente
nova, numa pessoa melhor, mais humana. Nada daquilo se perderia de sua memória
jamais. Mas ele sabia que era hora de cortar os laços de deixar que aquilo
acabasse, que fosse embora. Era hora de deixar que aqueles jovens andassem por
suas próprias pernas, mesmo que, talvez, ainda não estivessem preparados para
isso.
A
vida teria que seguir dali pela frente. Quando entrou em seu quarto, a luz do
fim de tarde batia nas coisas espalhadas pela escrivaninha, entre elas um
pequeno pássaro japonês feito num origami quase perfeito, ele ganhara de um
aluno. Uma folha com um Pikachu desenhado, uma coroa dourada de carnaval,
bilhetes e cartas de agradecimento, um pequeno elefante de madeira vindo da
Índia. Fotos espalhadas, lembranças que não podem ser deixadas. Ele sorriu de
canto e arrumou tudo aquilo, tudo precisava ir para um lugar seguro. Nenhum lugar
era mais seguro que seu próprio coração, não importa quantas vezes ele se
quebrasse, aquelas coisas, as imagens, permaneceriam intactas ali. “Talvez um
dia eu não me lembre de seus nomes, mas eu nunca vou esquecer dos rostos, dos
olhos, das perguntas”, ele havia dito aquilo antes do final das aulas no último
ano, antes das coisas realmente mudarem. Não haveria mais o grito da Vai-vai,
não haveria o sinal musicado, nenhuma outra escola tocaria Take on Me entre as aulas. Não haveriam mais as discussões
acaloradas com os amigos na sala dos professores, nem a comida caseira que a
cantina fazia no final do período. Não haveria mais ninguém dando apelidos e
nem rindo de suas piadas sem graça, não haveria mais os abraços acertados nos
momentos certos, nem o estresse para conseguir passar um vídeo. Não haveria
mais as discussões sobre a maioridade penal, sobre o governo, sobre política,
sobre cinema, sobre música. Não haveria mais, não ali.
Palavras
geralmente não conseguem expressar de fato o que ele sentia, o misto de
ansiedade com melancolia. O medo de deixar as coisas piorarem, o medo de que
aquelas frágeis criaturas se quebrassem de novo, depois de tanto tempo para
fazê-los acreditar que eram dignos, que não eram o lixo da sociedade. Era
aquilo. Ele tinha que ir, tinha que deixar, seguir em frente. Precisava ir
contra aquilo que acreditava, tinha que ser egoísta, pensar em si mesmo. Fechar
o ciclo e deixar que o novo que tentava começar, iniciasse de uma vez por
todas. Guardou todas as lembranças numa caixa e a colocou em cima do
guarda-roupa, talvez no momento certo elas fossem lembrá-lo de como era forte e
importante para alguns. Não naquele momento, naquele momento ele precisava dele
mesmo para conseguir as coisas que queria e seguir o caminho que, ele sabia, o
faria feliz de uma forma ou de outra. Ele sabia qual era esse caminho, mas ele
só começaria depois que o passado tornasse-se passado. Não mais a ponte para o
futuro, mas uma ponte fechada, interditada, um jardim guardado por uma chave
escondida. Ele fechou os olhos e fez como se estivesse trancando uma enorme
porta de madeira se afastou e imaginou as trepadeiras tomando o muro e a porta,
não de forma ameaçadora, mas protegendo o que ali havia. A essa altura, o sol
já tinha se escondido, o barulho distante das buzinas dos carros que voltavam
apressados para a casa o tirou de seus pensamentos, ele sorriu.

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