quinta-feira, 23 de abril de 2015

"A Rainha da Dança"



Para a menina dos olhos iguais aos meus, pelo seu aniversário e todos os dias de sua vida, minha querida Marina.

Douglas chegou à escola naquele dia com mais sono que o normal, não tinha dormido direito. Aquilo se tornara um tipo de hábito nos últimos meses, a cabeça não parava um segundo. Mas, alguma coisa estava mais errada naquela manhã, ele se sentia mais angustiado que o normal, muito mais cansado do que deveria estar, os dois copos de café que tomara antes de ir para a aula não haviam feito qualquer efeito. Ele saiu procurando aqueles cabelos loiros logo que se aproximou do prédio, sentada no mesmo lugar de sempre, em frente a um prédio, com seu livro aberto no colo e sobre sua mochila vermelha estava Marina. Ele sentou ao lado da amiga e não disse nada, ela, com todo o bom humor que lhe era típico logo disse animada:

-Ai, o que foi piranha? Que cara de bosta é essa?

-Não consegui dormir, Má. E não to me sentindo muito legal não. – disse ele com a voz baixa e muito desanimada.

-Ai, Do... Por que você veio hoje? Deveria ter ficado em casa.

-Você sabe que eu não gosto de perder as aulas de Filosofia nem de Literatura.

-Eu sei, mas...

-Vamos entrar? Abriram o portão. – ele disse se levantando e tentando forçar um sorriso para a amiga.

-Vamos, piranha!

Assim que entraram na sala, os dois juntaram as carteiras, Douglas estava com preguiça de cumprimentar o resto da sala então apenas acenou com a mão e deu um sorriso meio frouxo. Marina cumprimentava todos com um sorriso de orelha a orelha. Uns dez minutos depois, o professor entrou, a aula de Filosofia fazia Douglas despertar do sono mais profundo que estivesse, sua cabeça trabalhava o dobro do que o normal e ele ficava encantado com a figura daquele professor. Tudo fluía mais fácil naqueles cinquenta minutos e o mundo lá fora parecia desaparecer completamente. O mundo era aquela sala, aquelas pessoas. Nada além daquilo. Logo a aula terminou, como se os cinquenta minutos fossem apenas cinco. Douglas ficou chateado por alguns instantes, mas logo entrou a professora de Literatura e mais um show começou. Marina ria e se admirava ao mesmo tempo do encanto do amigo.

Na hora do intervalo Douglas já se sentia muito mais desperto, mas uma coxinha da cantina ajudaria muito.

-Douglas... – disse Marina com aquele ar de quem quer alguma coisa.

-Fala... – ele já sabia o que esperar.

-Compra um bolo de chocolate pra mim? – ela sorriu e o olhou com aqueles olhos iguais aos dele, que ninguém conseguia definir se eram azuis ou verdes.

-Dá pra dizer não? – ele riu. – Vai ficar aqui na sala?

-Vou sim...

-Eu já trago então. Tá muito frio, acho que vou ficar aqui hoje também.

No caminho da sala para a cantina ele cumprimentava os amigos com muito mais bom humor do que antes. Subiu de volta, Marina estava compenetrada em algum exercício de Química que ele não fazia a menor ideia nem de por onde começar, ele entregou o bolo para a amiga que o agradeceu com um abraço e um beijo na bochecha, ele tirou o fone de ouvido do bolso da blusa, o desenrolou e conectou no MP4 branco que estava no bolso da calça.

-Abba? – perguntou ele oferecendo um fone à Marina.

-Com toda certeza do mundo! – ela aceitou e colocou o fone assim que o amigo deu play e a batida contagiante de Dancing Queen começou. Aquela era a música preferida dos dois. Nenhum deles sabia o motivo, talvez porque ela falasse de uma vontade louca de viver a vida dançando, como se a própria vida fosse uma pista de dança enorme, coberta de possibilidades. Talvez fosse por causa do amor, da possibilidade de que “qualquer um pode ser aquele cara”. Aquele mundo inexplorado da diversão, da noite, aquelas pessoas que ainda eram incógnitas para eles, os gays, os travestis. Ou simplesmente porque era uma música que fazia seus corações se acalmarem e sorrir, e eles sorriam juntos, batiam juntos.

O sinal tocou, as pessoas começaram a voltar para as salas de aula bem mais devagar do que haviam saído delas. A próxima aula era justamente Química, daí Douglas entendeu o porquê de Marina estar fazendo aqueles exercícios.

-Era pra fazer em casa, né? – ele disse entre o desespero e o desprezo.

-Sim, mas eu fiz o seu enquanto você comprava meu bolo. – disse ela batendo no caderno de Douglas com a ponta do lápis. Ele simplesmente sorriu.

A professora entrou, carrancuda como sempre. Os cabelos loiros meio mal tratados, os óculos meio desalinhados faziam um par quase perfeito com o avental branco que ela usava. Fez a chamada, vistou os exercícios (e nem percebeu, ou fingiu não perceber, que Douglas não havia feito nenhum) e passou mais alguns na lousa. Marina e Douglas foram os primeiros a terminar (Marina, na verdade).

-Professora, a gente pode ouvir música? – perguntou Douglas esperando uma bronca que parecia inevitável. Mas a mulher simplesmente balançou a cabeça afirmativamente. – Ela deve ter transado essa noite, não é possível. – Douglas cochichou no ouvido de Marina, ela deu um riso abafado. Os dois escutavam as músicas e conversavam baixinho, no final da aula, quando a maioria havia terminado, eles se deixaram levar e improvisaram uma coreografia para Dancing Queen sentados mesmo. Quando terminaram perceberam o inimaginável: a professora estava sorrindo, aliás, ela estava rindo.

Talvez tenha sido uma das maiores conquistas dos dois juntos, fazer a professora de Química sorrir, aquela mulher carrancuda e sem nenhum senso de humor conseguiu entender naquele ato espontâneo de dois adolescentes felizes que havia alegria no mundo. Eles se sentiram importantes e muitos anos depois, quando se lembravam disso, ainda davam risada satisfeitos daquilo que tinham conquistado juntos.



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