Para a menina dos olhos iguais aos meus,
pelo seu aniversário e todos os dias de sua vida, minha querida Marina.
Douglas
chegou à escola naquele dia com mais sono que o normal, não tinha dormido
direito. Aquilo se tornara um tipo de hábito nos últimos meses, a cabeça não
parava um segundo. Mas, alguma coisa estava mais errada naquela manhã, ele se
sentia mais angustiado que o normal, muito mais cansado do que deveria estar,
os dois copos de café que tomara antes de ir para a aula não haviam feito
qualquer efeito. Ele saiu procurando aqueles cabelos loiros logo que se
aproximou do prédio, sentada no mesmo lugar de sempre, em frente a um prédio,
com seu livro aberto no colo e sobre sua mochila vermelha estava Marina. Ele
sentou ao lado da amiga e não disse nada, ela, com todo o bom humor que lhe era
típico logo disse animada:
-Ai,
o que foi piranha? Que cara de bosta é essa?
-Não
consegui dormir, Má. E não to me sentindo muito legal não. – disse ele com a
voz baixa e muito desanimada.
-Ai,
Do... Por que você veio hoje? Deveria ter ficado em casa.
-Você
sabe que eu não gosto de perder as aulas de Filosofia nem de Literatura.
-Eu
sei, mas...
-Vamos
entrar? Abriram o portão. – ele disse se levantando e tentando forçar um
sorriso para a amiga.
-Vamos,
piranha!
Assim
que entraram na sala, os dois juntaram as carteiras, Douglas estava com
preguiça de cumprimentar o resto da sala então apenas acenou com a mão e deu um
sorriso meio frouxo. Marina cumprimentava todos com um sorriso de orelha a
orelha. Uns dez minutos depois, o professor entrou, a aula de Filosofia fazia
Douglas despertar do sono mais profundo que estivesse, sua cabeça trabalhava o
dobro do que o normal e ele ficava encantado com a figura daquele professor.
Tudo fluía mais fácil naqueles cinquenta minutos e o mundo lá fora parecia
desaparecer completamente. O mundo era aquela sala, aquelas pessoas. Nada além
daquilo. Logo a aula terminou, como se os cinquenta minutos fossem apenas
cinco. Douglas ficou chateado por alguns instantes, mas logo entrou a
professora de Literatura e mais um show começou. Marina ria e se admirava ao
mesmo tempo do encanto do amigo.
Na
hora do intervalo Douglas já se sentia muito mais desperto, mas uma coxinha da
cantina ajudaria muito.
-Douglas...
– disse Marina com aquele ar de quem quer alguma coisa.
-Fala...
– ele já sabia o que esperar.
-Compra
um bolo de chocolate pra mim? – ela sorriu e o olhou com aqueles olhos iguais
aos dele, que ninguém conseguia definir se eram azuis ou verdes.
-Dá
pra dizer não? – ele riu. – Vai ficar aqui na sala?
-Vou
sim...
-Eu
já trago então. Tá muito frio, acho que vou ficar aqui hoje também.
No
caminho da sala para a cantina ele cumprimentava os amigos com muito mais bom
humor do que antes. Subiu de volta, Marina estava compenetrada em algum exercício
de Química que ele não fazia a menor ideia nem de por onde começar, ele
entregou o bolo para a amiga que o agradeceu com um abraço e um beijo na
bochecha, ele tirou o fone de ouvido do bolso da blusa, o desenrolou e conectou
no MP4 branco que estava no bolso da calça.
-Abba?
– perguntou ele oferecendo um fone à Marina.
-Com
toda certeza do mundo! – ela aceitou e colocou o fone assim que o amigo deu
play e a batida contagiante de Dancing
Queen começou. Aquela era a música preferida dos dois. Nenhum deles sabia o
motivo, talvez porque ela falasse de uma vontade louca de viver a vida
dançando, como se a própria vida fosse uma pista de dança enorme, coberta de
possibilidades. Talvez fosse por causa do amor, da possibilidade de que “qualquer
um pode ser aquele cara”. Aquele mundo inexplorado da diversão, da noite,
aquelas pessoas que ainda eram incógnitas para eles, os gays, os travestis. Ou
simplesmente porque era uma música que fazia seus corações se acalmarem e
sorrir, e eles sorriam juntos, batiam juntos.
O
sinal tocou, as pessoas começaram a voltar para as salas de aula bem mais
devagar do que haviam saído delas. A próxima aula era justamente Química, daí
Douglas entendeu o porquê de Marina estar fazendo aqueles exercícios.
-Era
pra fazer em casa, né? – ele disse entre o desespero e o desprezo.
-Sim,
mas eu fiz o seu enquanto você comprava meu bolo. – disse ela batendo no
caderno de Douglas com a ponta do lápis. Ele simplesmente sorriu.
A
professora entrou, carrancuda como sempre. Os cabelos loiros meio mal tratados,
os óculos meio desalinhados faziam um par quase perfeito com o avental branco
que ela usava. Fez a chamada, vistou os exercícios (e nem percebeu, ou fingiu
não perceber, que Douglas não havia feito nenhum) e passou mais alguns na
lousa. Marina e Douglas foram os primeiros a terminar (Marina, na verdade).
-Professora,
a gente pode ouvir música? – perguntou Douglas esperando uma bronca que parecia
inevitável. Mas a mulher simplesmente balançou a cabeça afirmativamente. – Ela deve
ter transado essa noite, não é possível. – Douglas cochichou no ouvido de
Marina, ela deu um riso abafado. Os dois escutavam as músicas e conversavam
baixinho, no final da aula, quando a maioria havia terminado, eles se deixaram
levar e improvisaram uma coreografia para Dancing
Queen sentados mesmo. Quando terminaram perceberam o inimaginável: a
professora estava sorrindo, aliás, ela estava rindo.
Talvez
tenha sido uma das maiores conquistas dos dois juntos, fazer a professora de
Química sorrir, aquela mulher carrancuda e sem nenhum senso de humor conseguiu
entender naquele ato espontâneo de dois adolescentes felizes que havia alegria
no mundo. Eles se sentiram importantes e muitos anos depois, quando se
lembravam disso, ainda davam risada satisfeitos daquilo que tinham conquistado
juntos.
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