terça-feira, 28 de abril de 2015

Confissões

Aos alunos que fizeram da minha vida muito melhor nos últimos dois anos e meio.

Profissões deveriam ser escolhidas com todo o cuidado do mundo, porque teoricamente é o que você fará pelo resto da sua vida. Costumo dizer em aula que dezessete ou dezoito anos é uma idade muito pequena para se tomar esse tipo de decisão. A verdade é que tomei a minha aos dezoito anos sem nem ao menos imaginar o que me esperava. Fui surpreendido de uma forma tão positiva que apesar de todos os percalços, não consigo desistir de continuar fazendo isso.


Desde pequeno tenho mania de herói, nunca vou esquecer um livro que vi uma vez com um amigo, quando abrimos ele dizia: “I don’t want to be a hero, I just want to be a zero”, ou em português: “Eu não quero ser um herói, eu só quero ser um zero”, logo meu amigo disse que se identificava e eu disse que também, só que ao contrário. Eu queria mudar o mundo, sem exageros. Por mais megalomaníaco que pareça, sempre quis isso. Claro, não podemos mudar o mundo sozinhos, isso é uma completa loucura. Acontece que eu não estou sozinho.

Existe uma coisa impressionante nesse mundo, que nós, seres humanos inventamos: a palavra. E com a palavra, a intenção que põe na frase a ser dita, no discurso a ser proferido. Desde minha primeira aula em meu estágio há mais de três anos atrás, minha intenção, mesmo que inconsciente, foi de uma mudança completa. Queria mudar aquelas pessoas para que elas pudessem mudar outras e assim por diante. É um trabalhinho de formiga esse de professor, mas é o trabalho mais satisfatório do mundo.

Hoje é 28 de Abril de 2015, e um dos meus ex-alunos mais fantásticos chega à sua maioridade. Com ele eu tive a oportunidade e a honra de manter uma relação de amizade desde que ele se formou em 2013, sou imensamente feliz por isso. Vendo-o hoje, percebi que sou imensamente feliz por cada um dos alunos que passaram (e ainda vão passar) por mim, porque eles me transformaram. Sim, eu queria transformá-los, e espero que tenha feito, mas eles absolutamente o fizeram comigo. O professor inexperiente que os encontrou em 2013 tem se transformado num professor que briga, dá risada, enfrenta o que for por eles. Pra mostrar pra eles que podem sim.

No começo deste ano as circunstâncias governamentais mudaram um pouco e, infelizmente, eu acabei ficando de fora da sala de aula. E só sendo eu para entender o quanto aquele lugar me faz falta, o barulho, as perguntas, a lousa e o giz, os olhos brilhando de interesse, as piadas (até as fora de hora), os abraços todas as manhãs me dando aquele “bom dia” que tira qualquer tristeza do coração. Aqueles sonhos ainda por se cumprir (e que se cumprirão) todos muito frescos, toda aquela energia. Sinto saudades também dos problemas, da tristeza de alguns que às vezes, eu conseguia transformar numa risada ou numa gargalhada que fazia eu ganhar meu dia inteiro. Nunca quis uma sala em silêncio, nunca quis uma sala que me mostrasse resultados por meio de notas (há no mundo algo mais abstrato que notas???), preferi sempre o barulho das discussões e das perguntas e se os outros achavam que isso era bagunça, talvez eles nunca tenham tido uma aula que conseguiu despertar algo neles. 


Com meus alunos eu aprendi uma coisa muito importante (não só para professores de filosofia, para todo ser humano): a realidade. Aprendi outras vidas que são completamente diferentes da minha, aprendi gostos muito variados, aprendi maneiras de lidar com cada um de acordo com suas próprias individualidades, aprendi o que cada um ama e odeia, aprendi o que cada um quer ser na vida, aprendi a vida de cada um, como cada um aprende. Aprendi que uma palavra que pra mim parece banal, pro outro pode ser o céu ou o inferno. Aprendi coisas de mais que nenhuma outra pessoa pode entender do mesmo jeito que eu entendi. Talvez ninguém entenda essa nossa jornada, talvez só nós possamos entender. Mas acho que já basta.

 Confissão: não me arrependo de ter escolhido essa profissão nem por um segundo. E sinto saudades de todos.

quinta-feira, 23 de abril de 2015

"A Rainha da Dança"



Para a menina dos olhos iguais aos meus, pelo seu aniversário e todos os dias de sua vida, minha querida Marina.

Douglas chegou à escola naquele dia com mais sono que o normal, não tinha dormido direito. Aquilo se tornara um tipo de hábito nos últimos meses, a cabeça não parava um segundo. Mas, alguma coisa estava mais errada naquela manhã, ele se sentia mais angustiado que o normal, muito mais cansado do que deveria estar, os dois copos de café que tomara antes de ir para a aula não haviam feito qualquer efeito. Ele saiu procurando aqueles cabelos loiros logo que se aproximou do prédio, sentada no mesmo lugar de sempre, em frente a um prédio, com seu livro aberto no colo e sobre sua mochila vermelha estava Marina. Ele sentou ao lado da amiga e não disse nada, ela, com todo o bom humor que lhe era típico logo disse animada:

-Ai, o que foi piranha? Que cara de bosta é essa?

-Não consegui dormir, Má. E não to me sentindo muito legal não. – disse ele com a voz baixa e muito desanimada.

-Ai, Do... Por que você veio hoje? Deveria ter ficado em casa.

-Você sabe que eu não gosto de perder as aulas de Filosofia nem de Literatura.

-Eu sei, mas...

-Vamos entrar? Abriram o portão. – ele disse se levantando e tentando forçar um sorriso para a amiga.

-Vamos, piranha!

Assim que entraram na sala, os dois juntaram as carteiras, Douglas estava com preguiça de cumprimentar o resto da sala então apenas acenou com a mão e deu um sorriso meio frouxo. Marina cumprimentava todos com um sorriso de orelha a orelha. Uns dez minutos depois, o professor entrou, a aula de Filosofia fazia Douglas despertar do sono mais profundo que estivesse, sua cabeça trabalhava o dobro do que o normal e ele ficava encantado com a figura daquele professor. Tudo fluía mais fácil naqueles cinquenta minutos e o mundo lá fora parecia desaparecer completamente. O mundo era aquela sala, aquelas pessoas. Nada além daquilo. Logo a aula terminou, como se os cinquenta minutos fossem apenas cinco. Douglas ficou chateado por alguns instantes, mas logo entrou a professora de Literatura e mais um show começou. Marina ria e se admirava ao mesmo tempo do encanto do amigo.

Na hora do intervalo Douglas já se sentia muito mais desperto, mas uma coxinha da cantina ajudaria muito.

-Douglas... – disse Marina com aquele ar de quem quer alguma coisa.

-Fala... – ele já sabia o que esperar.

-Compra um bolo de chocolate pra mim? – ela sorriu e o olhou com aqueles olhos iguais aos dele, que ninguém conseguia definir se eram azuis ou verdes.

-Dá pra dizer não? – ele riu. – Vai ficar aqui na sala?

-Vou sim...

-Eu já trago então. Tá muito frio, acho que vou ficar aqui hoje também.

No caminho da sala para a cantina ele cumprimentava os amigos com muito mais bom humor do que antes. Subiu de volta, Marina estava compenetrada em algum exercício de Química que ele não fazia a menor ideia nem de por onde começar, ele entregou o bolo para a amiga que o agradeceu com um abraço e um beijo na bochecha, ele tirou o fone de ouvido do bolso da blusa, o desenrolou e conectou no MP4 branco que estava no bolso da calça.

-Abba? – perguntou ele oferecendo um fone à Marina.

-Com toda certeza do mundo! – ela aceitou e colocou o fone assim que o amigo deu play e a batida contagiante de Dancing Queen começou. Aquela era a música preferida dos dois. Nenhum deles sabia o motivo, talvez porque ela falasse de uma vontade louca de viver a vida dançando, como se a própria vida fosse uma pista de dança enorme, coberta de possibilidades. Talvez fosse por causa do amor, da possibilidade de que “qualquer um pode ser aquele cara”. Aquele mundo inexplorado da diversão, da noite, aquelas pessoas que ainda eram incógnitas para eles, os gays, os travestis. Ou simplesmente porque era uma música que fazia seus corações se acalmarem e sorrir, e eles sorriam juntos, batiam juntos.

O sinal tocou, as pessoas começaram a voltar para as salas de aula bem mais devagar do que haviam saído delas. A próxima aula era justamente Química, daí Douglas entendeu o porquê de Marina estar fazendo aqueles exercícios.

-Era pra fazer em casa, né? – ele disse entre o desespero e o desprezo.

-Sim, mas eu fiz o seu enquanto você comprava meu bolo. – disse ela batendo no caderno de Douglas com a ponta do lápis. Ele simplesmente sorriu.

A professora entrou, carrancuda como sempre. Os cabelos loiros meio mal tratados, os óculos meio desalinhados faziam um par quase perfeito com o avental branco que ela usava. Fez a chamada, vistou os exercícios (e nem percebeu, ou fingiu não perceber, que Douglas não havia feito nenhum) e passou mais alguns na lousa. Marina e Douglas foram os primeiros a terminar (Marina, na verdade).

-Professora, a gente pode ouvir música? – perguntou Douglas esperando uma bronca que parecia inevitável. Mas a mulher simplesmente balançou a cabeça afirmativamente. – Ela deve ter transado essa noite, não é possível. – Douglas cochichou no ouvido de Marina, ela deu um riso abafado. Os dois escutavam as músicas e conversavam baixinho, no final da aula, quando a maioria havia terminado, eles se deixaram levar e improvisaram uma coreografia para Dancing Queen sentados mesmo. Quando terminaram perceberam o inimaginável: a professora estava sorrindo, aliás, ela estava rindo.

Talvez tenha sido uma das maiores conquistas dos dois juntos, fazer a professora de Química sorrir, aquela mulher carrancuda e sem nenhum senso de humor conseguiu entender naquele ato espontâneo de dois adolescentes felizes que havia alegria no mundo. Eles se sentiram importantes e muitos anos depois, quando se lembravam disso, ainda davam risada satisfeitos daquilo que tinham conquistado juntos.



sábado, 18 de abril de 2015

Nem o Diabo te Reconheceria




Às mudanças e às possibilidades, ao hoje, porque o amanhã ainda não foi escrito.

    Manoel olhou o céu azul acima dele, algumas nuvens começavam a aparecer, elas não estavam ali minutos antes. Ele respirou fundo pensando que não havia trazido o guarda-chuva consigo. Com certeza voltaria para casa encharcado mais uma vez. Os estudantes andavam calmamente pela Cidade Universitária, ele se dirigiu ao prédio de Filosofia, mas não entrou, deu a volta e encontrou uma árvore onde se encostou e sentou enquanto a chuva não começava. Não queria ouvir falar de nenhum pensamento além do seu próprio naquela tarde. Ele tirou o caderno da mochila e pegou a caneta azul presa na espiral, abriu numa página qualquer e ficou olhando as linhas que mais pareciam caminhos que começavam e logo terminavam.

    Ele desistiu. Guardou os dois na mochila gasta e olhou para cima, fechou os olhos e algumas cenas começaram a pipocar em sua cabeça de repente. Ele se viu aos treze anos, perdendo a virgindade cedo de mais, muito mais cedo do que poderia querer hoje em dia. Mas ele estava apaixonado, era o conforto que tinha. Não que se arrependesse daquilo, mas pensava que, talvez, a vida pudesse ter sido muito mais fácil sem todo aquele trauma que passara com Bernardo, um ano mais novo, completamente perdido na vida. Usava drogas, todos os tipos, desde aquela época, mas os cabelos cumpridos e a pose de um bad boy wannabe chamaram a atenção de Manoel naquela época. Quando, depois de uma semana fugido de casa, Bernardo reapareceu, ele lhe telefonou e disse que tudo iria ficar bem, que tudo iria se resolver. Manoel sabia que não, aos catorze anos ele já aprendera o bastante até aquele momento. Disse-lhe que nunca mais o procurasse e desligou o telefone. Não ouviria a voz de Bernardo por muitos e muitos outros anos. Ele fora forte, muito mais do que poderia ser naquela idade, tudo ficou guardado.

    Anos depois, já aos dezenove anos, ele se lembrou do envolvimento rápido mas intenso que teve com Caio, que era mórmon. Ele tinha muitos problemas consigo mesmo, o peso da religião era grande de mais. Aquilo fez Manoel pensar como a religião pode também destruir as pessoas, tudo ficava mais pesado com a culpa que o cristianismo conseguia impor a algumas pessoas. Aquilo não ajudava ninguém, pelo menos é o que ele pensava. Quando tudo deu errado, por parte ele não saber lidar com seus sentimentos e sua intensidade, parte por causa da religião tão forte na vida de Caio, foi como se Manoel se quebrasse em milhares de pedacinhos. Tudo parecia perdido, nada parecia poder consertar seu coração que agora estava despedaçado como vidro, mas ele sabia que teria de se reerguer, chegar mais uma vez nas nuvens... E ali ele ficaria até se sentir bem de novo.

    Aquele momento de sua vida estava tomado de uma série de reflexões sobre sua própria vida. Ele queria entender porque nada parecia dar certo para ele em momento nenhum, ele percebeu que tinha que expurgar de si, ainda, Bernardo. Era uma sombra que não podia mais permanecer perseguindo-o. Não poderia haver o mínimo contato, a lembrança ficaria para sempre, porque aquilo o transformara, mas não o sentimento. Ele precisava deixar pra trás aquilo que tanto o incomodava. O sol parou de bater em seu rosto de repente, a chuva chegava aos poucos e ele percebeu o quanto havia mudado nos últimos dez anos, mudou tanto que pensou que nem mesmo o diabo o reconheceria mais, ele precisava se reconhecer antes. Mesmo que o conhecimento total de si mesmo lhe parecesse uma enorme utopia. Ele se levantou e entrou no prédio, talvez o pensamento de outra pessoa pudesse ajudá-lo naquele momento. Choveu muito naquela tarde e era como se a chuva estivesse lavando toda a cidade e expurgando-a de um passado que deveria permanecer o que é: passado apenas.

sexta-feira, 17 de abril de 2015

POP Wars


Apenas pra descontrair.



Jean tinha trinta e cinco anos e era fã de Madonna, ele era melhor amigo de Daniel que tinha vinte e cinco anos e era fã de Christina Aguilera. Eles moravam juntos num prédio na Rua Frei Caneca, no andar de cima viviam Carolina, que era fã de Katy Perry e tinha vinte e oito anos e Cláudio que era fã de Lady Gaga e tinha vinte e dois anos, no apartamento ao lado deles, morava Marcelo que era fã de Beyoncé e apaixonado por Cláudio em segredo, ele tinha vinte e nove anos.

Era madrugada de sexta para sábado e todos estavam reunidos no apartamento de Jean e Daniel bebendo cerveja, comendo pizza e discutindo o que havia de mais importante a ser discutido: pop. No som uma seleção que alternava entre as cinco divas.

-A questão é simples, gente: reinvenção. Ninguém consegue fazer isso melhor que a Madonna. Absolutamente ninguém pode. – declarou Jean de uma forma séria e imponente que apenas a idade podia garantir.

-Eu concordo Jean. – disse Marcelo – Mas a Queen B tem um quê a mais.

-O que? – perguntou Carolina esperando algo que fosse digno de riso.

-O feminismo, ela é a cantora mais feminista da história.
Todos riram juntos, mas esperavam o contra-ataque de Jean que não tardou a aparecer.

-A Madonna inventou o feminismo na música, Marcelo. Me poupe. Pense em Express Yourself, Erotica, Justify My Love.

-Vocês vivem de museu ou o quê? – perguntou Cláudio com a voz mais fanha dos cinco. – Mother Monster reinventou isso tudo e vocês aí discutindo o óbvio.

-O óbvio da cópia né, querido? – zombou Daniel com um sorrisinho de canto no rosto.

-Ai... Lá vem o fã da flopada.

-Antes flopada e destruidora do que copista. – disse Daniel ficando sério.

-Gente, como vocês conseguem? Acho que todo mundo deveria ser Katy Cat, a questão é se divertir. Música é pra isso. Pra se divertir! – disse Carolina erguendo os braços – E nós não estamos nos divertindo aqui.

-Música também pode ser reflexão... – disse Jean.

-E arte né, pessoal? – disse Daniel parecendo declarar o óbvio.

-Arte da subversão. – disse Cláudio soando malicioso.

-Arte de ser poderosa. – disse Marcelo.

Todos eles riram daquelas colocações, afinal todas eram verdadeiras. Carolina tomou um gole de refrigerante, já que não bebia álcool e logo disse:

-Vamos pensar numa coisa: quem de todas elas é a mais engraçada?

-Óbvio que é a Katy, Carol. Isso não tem o que discutir. – disse Daniel.

-Quem é a mais gostosa? – perguntou Jean.

-Beyoncé. – respondeu Cláudio de uma forma espontânea.

-A melhor vocalista? – perguntou Marcelo.

-A Christina! – disse Carolina.

-A mais poderosa? – perguntou Daniel rindo.

-Madonna! – disse Jean muito rápido soando óbvio.

-Acho que tá resolvido então... – começou Carolina.

-Pera aí, quem é a mais subversiva? – perguntou Cláudio indignado.

-A Madonna. – todos eles responderam juntos.

-Que absurdo! Claro que não! – ele parecia ofendido.

-A Gaga fez tudo o que a Madonna fez, Cláudio... Até não aguentar mais ser estranha e aí resolveu fazer homenagem pra Julie Andrews no Oscar. – disse Marcelo da forma mais simpática que pôde.

-Vocês são preconceituosos. Eu não entendo esse ódio todo contra a Gaga... Só porque ela escancarou os homossexuais efeminados? – ele estava realmente ofendido.

-Ela tem esse mérito... Ouviu? Mérito. – disse Daniel especificando bem.

-Então ela é a mais política no mínimo... – disse ele parecendo satisfeito.

-Vocês estão esquecendo da Cyndi Lauper... Nesse quesito ela ganha. – disse Carolina sorrindo meio timidamente.

-A mais extravagante? – ele parecia meio perdido.

-Cher. – disse Jean quase rindo.

-A múmia mais velha... – Cláudio se levantou deixando a cerveja no chão e saindo em disparada para a varanda.

-Vai lá ver a bichinha vai, Marcelo. – disse Daniel nervoso.

-Vocês sempre pegam muito pesado com ele. – Marcelo se levantou e foi até a varanda tentar acalmar Cláudio.

Enquanto eles começaram a discutir sobre o nível de politização de Cyndi Lauper, Cláudio acendia um cigarro na varanda enquanto Marcelo parava ao seu lado.

-Você precisa parar de ligar pra essas coisas... – Marcelo falou baixinho enquanto passava a mão nos cabelos de Cláudio da forma mais carinhosa que podia.

-Vocês estão sempre todos contra mim. Isso é óbvio. – ele falou nervoso enquanto tragava.

-Até eu? – ele sorriu se aproximando do rosto de Cláudio que corou quase imediatamente, mas não se mexeu. Eles se beijaram.

-Você é diferente... – ele disse tímido.

-Vamos voltar pra lá vai... Depois a gente sobe pro meu apartamento e termina a noite por lá... Com a Gaga tocando, que tal?

Cláudio sorriu e fez que sim com a cabeça, jogou o cigarro fora e eles voltaram para a sala.

-Passou o chilique, veado? – perguntou Daniel sorrindo.

-Vocês que não ousem me irritar de novo. – disse ele também sorrindo.

-Nós chegamos a uma conclusão muito óbvia, Cláudio. – declarou Jean.

-Sem dúvidas, e olha que até eu saí ganhando nisso. – riu Carolina.

-Falem logo! – ele parecia impaciente.

-Todas as nossas divas são incríveis por um motivo: elas sabem cantar, bem ou mal, mas sabem. Além de escreverem suas próprias músicas, se envolverem no processo de criação de álbuns, turnês e clipes. – disse Daniel parecendo um acadêmico falando do assunto. – Logo, nós temos uma vencedora do troféu abacaxi de pior – ele fez aspas com os dedos – “cantora” pop de todos os tempos.

-Todos votaram a favor e a decisão é unânime. – disse Carolina.

-Eu to vendo já quem é... – riu Marcelo.


-Britney Spears. – todos disseram juntos e caíram numa crise de riso que durou por uns dois minutos, quebrando todo o gelo e todas as diferenças que pareciam existir ali. Tudo ficou bem... Pelo menos por aquela noite. 

quinta-feira, 16 de abril de 2015

Do Fim pro Começo


Aos alunos, colegas e amigos que deixo na memória e que povoaram minha vida e meu imaginário pelos últimos dois anos, obrigado pelos ensinamentos, pelo carinho, pelas lembranças.

Ele olhou o prédio acabado, pintado de azul com as grandes que o circulavam, algumas árvores mal tratadas na entrada. Fechou os olhos e ouviu o barulho que vinha de dentro, os alunos falavam alto, riam de alguma coisa, outros batiam palmas, uma lágrima rolou pelo rosto. Aquilo funcionava sem ele, ele não era parte necessária de nada. Ninguém é necessário nessa cidade. Mas ele sabia que algo havia feito ali. Os últimos dois anos haviam sido anos de um aprendizado sem igual, um crescimento imenso que o transformara numa pessoa completamente nova, numa pessoa melhor, mais humana. Nada daquilo se perderia de sua memória jamais. Mas ele sabia que era hora de cortar os laços de deixar que aquilo acabasse, que fosse embora. Era hora de deixar que aqueles jovens andassem por suas próprias pernas, mesmo que, talvez, ainda não estivessem preparados para isso.

A vida teria que seguir dali pela frente. Quando entrou em seu quarto, a luz do fim de tarde batia nas coisas espalhadas pela escrivaninha, entre elas um pequeno pássaro japonês feito num origami quase perfeito, ele ganhara de um aluno. Uma folha com um Pikachu desenhado, uma coroa dourada de carnaval, bilhetes e cartas de agradecimento, um pequeno elefante de madeira vindo da Índia. Fotos espalhadas, lembranças que não podem ser deixadas. Ele sorriu de canto e arrumou tudo aquilo, tudo precisava ir para um lugar seguro. Nenhum lugar era mais seguro que seu próprio coração, não importa quantas vezes ele se quebrasse, aquelas coisas, as imagens, permaneceriam intactas ali. “Talvez um dia eu não me lembre de seus nomes, mas eu nunca vou esquecer dos rostos, dos olhos, das perguntas”, ele havia dito aquilo antes do final das aulas no último ano, antes das coisas realmente mudarem. Não haveria mais o grito da Vai-vai, não haveria o sinal musicado, nenhuma outra escola tocaria Take on Me entre as aulas. Não haveriam mais as discussões acaloradas com os amigos na sala dos professores, nem a comida caseira que a cantina fazia no final do período. Não haveria mais ninguém dando apelidos e nem rindo de suas piadas sem graça, não haveria mais os abraços acertados nos momentos certos, nem o estresse para conseguir passar um vídeo. Não haveria mais as discussões sobre a maioridade penal, sobre o governo, sobre política, sobre cinema, sobre música. Não haveria mais, não ali.


Palavras geralmente não conseguem expressar de fato o que ele sentia, o misto de ansiedade com melancolia. O medo de deixar as coisas piorarem, o medo de que aquelas frágeis criaturas se quebrassem de novo, depois de tanto tempo para fazê-los acreditar que eram dignos, que não eram o lixo da sociedade. Era aquilo. Ele tinha que ir, tinha que deixar, seguir em frente. Precisava ir contra aquilo que acreditava, tinha que ser egoísta, pensar em si mesmo. Fechar o ciclo e deixar que o novo que tentava começar, iniciasse de uma vez por todas. Guardou todas as lembranças numa caixa e a colocou em cima do guarda-roupa, talvez no momento certo elas fossem lembrá-lo de como era forte e importante para alguns. Não naquele momento, naquele momento ele precisava dele mesmo para conseguir as coisas que queria e seguir o caminho que, ele sabia, o faria feliz de uma forma ou de outra. Ele sabia qual era esse caminho, mas ele só começaria depois que o passado tornasse-se passado. Não mais a ponte para o futuro, mas uma ponte fechada, interditada, um jardim guardado por uma chave escondida. Ele fechou os olhos e fez como se estivesse trancando uma enorme porta de madeira se afastou e imaginou as trepadeiras tomando o muro e a porta, não de forma ameaçadora, mas protegendo o que ali havia. A essa altura, o sol já tinha se escondido, o barulho distante das buzinas dos carros que voltavam apressados para a casa o tirou de seus pensamentos, ele sorriu.

quarta-feira, 15 de abril de 2015

Capitães do Asfalto

Abril de 2015.



Aos Capitães do Asfalto que eu tive a honra de ensinar alguma coisa;
A todos os Capitães do Asfalto que essa cidade abriga.

As ruas escuras eram os locais preferidos dos Capitães do Asfalto, era muito mais fácil de assaltar ali. Claro, eles tinham padrões, jamais assaltavam pais com crianças, velhos e nem negros. Jamais assaltavam qualquer pessoa que vivesse no bairro e, de forma alguma, assaltavam trabalhadores. Eles passaram a se chamar de Capitães do Asfalto depois que um professor da escola havia lhes contado a história de um livro de algum autor brasileiro, daqueles antigos, sobre um grupo de meninos que viviam em Salvador e assaltavam para sobreviver, o nome do livro era como o grupo era chamado: Capitães da Areia. Um dia Carlos decidiu que eles se chamariam Capitães do Asfalto.

Os tempos eram completamente diferentes, mas as circunstâncias eram as mesmas, ou muito parecidas. Alguns dos meninos daquele grupo não tinham pais, moravam com os avós ou os tios, outros moravam com a mãe e mais vários irmãos. Todos eles eram negros e cresceram na periferia de São Paulo, estudavam, é claro, em escolas públicas e mesmo quando saíam apenas para passear, as pessoas brancas e que tinham dinheiro os olhavam torto nas ruas. Como se eles não fossem dignos de ser vistos ou como se simplesmente não pudessem estar ali frequentando os mesmos lugares que aqueles de olhos claros e a cabelos dourados. Isso os fazia se sentir animais. Isso revirava seus estômagos. Na escola, os professores não gostavam deles, a maioria fingia que eles não existiam e, talvez, para mostrar que estavam ali, faziam quanta bagunça conseguissem. Não havia calor ou lugar para eles na sociedade, ninguém se importava.

Uma certa tarde, Carlos, Juninho, Luquinhas, Fabio e o Tinho estavam sentados num escadão próximo a escola, eles conversavam sobre as coisas mais diversas: mulheres, os assaltos, diversão. De repente, como se aquilo tivesse aparecido como um anjo entre os meninos, Luquinhas disse:

-Será que alguém dá a mínima pra nós?

-Cê bebeu, parça? – perguntou Fabio rindo.

-To falando sério, caralho.

-Tá pensando nisso porque, Luquinha? – perguntou Carlos parecendo curioso.

-Sei lá, porra... Passou pela cabeça.

-Acho que você tá pensando de mais, fera. – disse Tinho.

-Deixa o cara. Vocês nunca perguntaram isso pra vocês não? – defendeu Juninho.

-Claro que esses porra não liga pra nós. – disse Fabio com um claro tom de raiva em sua voz.

Nenhum deles falou mais sobre o assunto durante aquela tarde, eles ficaram ali jogando conversa fora enquanto a tarde quente terminava, o sol se punha laranja no horizonte. A noite se aproximava e com isso, o ganha pão dos Capitães. Era Copa do Mundo no Brasil, e eles sabiam que haveria muitos gringos pela Paulista e Augusta, por mais arriscado que fosse, é ali que eles iriam trabalhar naquela noite. Pegaram suas bicicletas velhas e mal tratadas e se dirigiram ao local de trabalho.

Eles se espalharam, o relógio de Juninho marcava dez da noite, as ruas estavam apinhadas de gente, quase não havia espaço para os carros que passavam buzinando ou tocando música muito alta. Luquinhas pensou nunca ter ouvido tantas palavras diferentes de uma só vez, aquilo parecia atordoá-lo um pouco. Ele andava devagar tentando encontrar alguém que fosse fácil e perto de uma rota de fuga boa. Na esquina da Peixoto Gomide ele viu uma briga acontecer, a moça se levantou e saiu correndo em direção a Rua Augusta, ele a seguiu, viu que ela entrou num lugar meio escondido com uma placa de neon vermelho que piscava um “Insônia Café”, ele ignorou e decidiu procurar outra pessoa. Logo viu um senhor de mais ou menos uns trinta anos, ele estava com a carteira na mão. Era a presa perfeita. Luquinhas se antecipou, pegou a carteira da mão do homem fazendo-o cair, virou a primeira rua e desapareceu na multidão. Seu coração estava a mil, o sangue na cabeça e a adrenalina percorria todo o seu corpo sem parar. Ele largou a bicicleta na guia, sentou-se na calçada e abriu a carteira, viu que o homem não era brasileiro, havia alguns dólares misturados com três notas de cem reais. Ele havia feito um negócio excelente. Mandou uma mensagem no grupo aos outros meninos que dizia: “fechei a porra toda, 300 barão”. Carlos respondeu dizendo que eles se encontrassem no escadão em meia hora. Luquinhas tinha algum tempo, a rua estava deserta. Ele deitou e respirou. Fechou os olhos e quando abriu de volta, um velho o olhava de cima.

-Mas que porra é essa?! – disse ele se levantando de um salto. O velho olhou para ele com os olhos muito azuis sorrindo para ele.

-Está tudo bem, filho? – perguntou ele com a voz um pouco cansada mas muito amável.

-De boa. – respondeu Luquinhas meio ríspido ainda desconfiado.

-O que faz aqui deitado? Não tem uma casa?

-Lógico que eu tenho, porra.

-E por que não está lá? Seus pais devem estar preocupados.

-Não tenho pais.

-Entendi. – eles se olharam por alguns instantes, Luquinhas foi pegar a bicicleta quando o velho finalmente disse: Me chamo Jorge.

-Bom pro senhor. – respondeu ele querendo sair dali logo.

-Você é um moleque bem esperto.

-E por que você acha isso aí?

-Você tem uma estrela no lugar do coração, meu filho.

-Quê? – Luquinhas achou que aquilo era a coisa mais bizarra que já ouvira antes. – Olha, eu tenho que sair fora, os meus parça tão esperando. Falou aí pro senhor, seu Jorge.

-Até mais. – disse ele sorrindo enquanto o menino pedalava para longe.

Alguns minutos depois, encontrou os amigos no escadão. O velho Jorge não lhe saía da cabeça e ele parecia muito confuso, provavelmente sua fisionomia estava diferente, pois logo Carlos disse:

-Cê tá de boa parça?

-Tranquilo. É que encontrei um velho doido... Ele disse um bagulho muito escroto.

-Queria te comer, Luquinha? – zombou Tinho.

-Não, seu pau no cu. Ele disse que eu tinha uma estrela no lugar do coração.

-Que bagulho gay! – riu Fabio.

-Porra mano, esquece isso aí. Hoje nós vai comer feito rei. Que tal uma pizza? – disse Carlos por fim. Os meninos concordaram e foram para a pizzaria mais próxima rindo. A verdade é que aquele velho nunca mais saiu da cabeça de Luquinhas, uma noite ele resolveu interpretar aquilo da maneira que quisesse, foi na noite que Juninho foi morto pela polícia enquanto andava pela rua, mesmo sem ter feito absolutamente nada naquela noite. Ele se levantou, pegou suas poucas roupas, colocou na mochila que ganhara do governo e saiu do cortiço que vivia com os outros amigos. Ele passou a ser Lucas, voltou à escola e com um esforço quase sobre-humano conseguiu conquistar algumas poucas coisas em sua vida. Lucas jamais se tornou uma pessoa rica, trabalhou duro a vida inteira. Quando terminou a faculdade, passando por um sebo, viu aquele velho livro do qual um professor da escola havia dito há muito tempo atrás, ele pegou o livro em sua mão, viu o nome do autor: Jorge Amado. Jorge como o velho, abriu o livro e viu um nome escrito, o mesmo nome de seu antigo professor. Ele comprou o livro e enquanto lia, encontrou conforto, reencontrou seus amigos e aquilo mudou sua vida, ele leu sobre as pessoas que tem estrelas no lugar do coração e se emocionou. Lucas entendeu.




Meio do Caminho

Abril de 2015.
Para a Andréia que me faz falta nos momentos de medo.




Já fazia dez dias que Andréia não conseguia pensar em outra coisa, acontecia o tempo todo. Quando ela menos esperava, lá estava. No meio do trabalho, no meio da aula, no ônibus lotado, na cama, impedindo que ela dormisse. E eles apenas haviam se visto três vezes, ficaram, tiveram uma noite fantástica, engraçada. Mas talvez não passasse daquilo, talvez fosse tudo. Duas pessoas diferentes que ficariam para sempre no meio do caminho.

Era um final de tarde chuvoso em São Paulo, o metrô estava lotado, ela subiu num vagão em direção ao Tatuapé na Sé. Foi empurrada para dentro do trem, não conseguia mais se mexer, não conseguia nem respirar direito. Tentou olhar o relógio de pulso para ver se estava atrasada. Ainda tinha algum tempo. Marcara com Mariana às 19h na Praça Silvio Romero. Faltava ainda uma meia hora... Meia hora que não passava. Ela precisava contar aquilo para a amiga logo, antes que explodisse em lágrimas. Naquele momento o maquinista anunciou “Velocidade reduzida devido a usuário na linha na estação Corinthians – Itaquera”, algumas pessoas reclamaram e Andréia pensou alto.

-Puta que pariu! Porque não se mata de madrugada?! – logo que percebeu ter dito isso em voz alta ficou vermelha e desejou enfiar a cabeça no meio de todas aquelas pessoas. Alguns riram, outros fizeram uma cara feia como se ela tivesse tido um absurdo quase imperdoável. O trem voltou a se mexer logo em seguida, às 18h55 ela chegou na estação Tatuapé, subiu atropelando as pessoas. Mandou uma mensagem para Mariana dizendo que estava chegando. Logo quando avistou a amiga sentada num banco comendo um cachorro-quente, seu rosto se iluminou e um sorriso extremamente espontâneo se formou.

-Oi, gatinha. – cumprimentou Mariana retribuindo o sorriso.

-Amiga, que bom te ver! – disse Andréia enquanto se jogava nos braços da amiga quase derrubando seu cachorro-quente.

-Opa! A coisa é séria. Amor de mais. – ela zombou.

Andréia começou a explicar a história, conhecera o rapaz pela internet, saíram uma vez, na segunda vez passaram uma das noites mais divertidas que ela já tivera, no terceiro encontro almoçaram pela região da Paulista, perto do trabalho de ambos. Expôs o problema muito claramente: tinha medo de tudo aquilo ser apenas mais uma viagem até a metade do caminho, tinha medo que aquilo, mais uma vez, não se realizasse. Apesar de ter dito ao rapaz que nunca tinha acontecido nada com pessoas que conhecera pela internet, ela sabia que já e que todas as tentativas haviam acabado antes do que ela esperava. Mas daquela vez era diferente, Andréia se sentia diferente em relação ao rapaz. Talvez fosse seu sorriso ou porque ele a fazia rir. Ela queria ter aquela experiência com aquela pessoa. E ela não era daquele jeito normalmente. Ela havia se acostumado com as viagens curtas.

-Déia, às vezes é assim mesmo... A gente fica no meio do caminho e não tem muito o que fazer. – disse Mariana.

-De novo Mari? Eu to cansada do meio. – seus olhos lacrimejaram um pouco.

-Sem choro. Continua investindo então...

-Odeio essa incerteza!

-Esse medinho faz parte! É super bom! É super legal! – ela tentava fazer aquilo parecer uma coisa fácil.

-Fácil falar, Mari... E o medo? Medo de me machucar outra vez.

-Do chão não passa.

-Mas... Ai, tá bom.

-Cachorro-quente? – perguntou ela acenando com a cabeça para o carrinho ali parado.

-Acho que sim, to com fome mesmo.

-Quando você vai encontrar com o cara de novo? – perguntou Mariana enquanto a amiga pedia o cachorro-quente completo.

-Não sei, não combinamos nada. Ele é bem ocupado.

-Então deixa pra se preocupar quando vocês forem se ver de novo, porque ainda não foi nem a metade do caminho, então de uma forma ou de outra ainda tem um pouco pra se caminhar.

Andréia apenas sorriu. Sabia que Mariana estava certa, mas a vontade de aquilo tudo dar certo era grande de mais e ela não sabia lidar muito bem com essas vontades que parecem maiores que a gente. Às vezes, Andréia pensa que é feita de porcelana chinesa, que se cair quebra e não se conserta mais. Nunca mais. Mas aí se lembra que não é bem assim, que o problema é apenas essa ansiedade que é reflexo de São Paulo, da agitação, do metrô lotado, da garoa, do usuário que se joga na linha de metrô porque não aguenta mais, porque não quer mais viver ali de forma nenhuma. Porque a cidade o derrotou, derrotado por sua força, por sua grandeza. Ela se lembra das noites de insônia em seu quarto, sendo derrotada aos poucos pela cidade, sendo massacrada no dia seguinte de manhã quando ia dar aula sem dormir nada, vivendo de café, quando não conseguia trabalhar direito por falta de condições. Lembra-se de seus alunos, vencidos desde que vieram ao mundo, sendo oprimidos e massacrados por um sistema cruel o tempo inteiro. Seu medo lhe parece egoísta, mesquinho, mas ainda assim, ela é paulista, o medo permanece. Talvez ele vá embora, talvez ele fique mais um tempo, talvez ela vá até a metade do caminho mais uma vez. Ela espera que não, espera que dessa vez funcione, ela gosta do rapaz e está cansada de ser vencida sozinha por São Paulo.