segunda-feira, 23 de março de 2015

O Primeiro Canto

Ao Alex, músico de práxis e de coração.

Ao fundo, Bach. Na cabeça, Barrios. Parecia que agora a vida de Bruno baseava-se nossp: música. Não que fosse algo ruim, é o que ele queria. O violão na mão e as notas saiam com o movimento dos dedos e o vibrar das cordas, não havia sensação melhor.

Acima de todos os problemas, ele sabia que o sonho era maior. “Sonhos são feitos de possibilidades”, pensava Bruno. “A vida, uma sequência de acertos e erros”. Talvez sua vida não pudesse ser de qualquer outra forma, nascido e criado na Bela Vista, em seu sangue corria a musica e a determinação.

Aquele fim de tarde era chuvoso e frio, o sono e a preguiça estavam pesando, mas a determinação falava mais alto. Era um dia importante, seu primeiro concerto solo, pequeno, mas ainda assim, pessoas estariam lá para ouvi-lo. Ele deu até logo à irmã, colocou o violão nas costas e saiu, pediu um táxi. A passagem de som na pequena casa de shows no Largo do Arouche foi tranquila.

Conforme o horário se aproximava, mais Bruno ficava nervoso. Seu celular vibrou, uma mensagem de seu amigo Gabriel: “Já estamos aqui! Primeira fileira! Destrua!”. Ele sentiu uma pontada de confiança.

O apresentador da noite falou algumas poucas besteiras e logo chamou seu nome o apresentando como uma das maiores revelações do violão clássico da cena de São Paulo. Uma lufada de ansiedade o invadiu, como se um balde de água fria e um sopro de vento gelado os atingisse de uma vez. ele fechou os olhos, respirou fundo e entrou no palco ao som de uma salva de palmas que logo silenciou. Bruno observou sua modesta plateia, viu alguns rostos conhecidos espalhados, sabia que alguns eram jornalistas e críticos, ele ficou nervoso, mas se lembrou do conselho de Gabriel “Toque para você, não para eles”. Vários rostos novos e ali na primeira fileira Gabriel e sua irmã sorriam. Ele sorriu de volta e disse um tímido “boa noite” no microfone, fechou os olhos mais uma vez e começou a tocar.

A grandiosa “Último Canto” de Barrios começou a soar daquele único violão, não se ouvia absolutamente mais nada, pelo menos ele não conseguia, estava tão concentrado se certificando para não errar absolutamente nada. Além dá música, o único outro som que ele podia ouvir era de seu coração, as batidas agora pareciam uma segunda voz para a canção. Em sua mente ele via a velha pobre pedindo uma esmola a um músico já no final de sua vida e, ao invés de dinheiro ou comida, recebendo o maior presente, a melhor esmola que  um ser humano poderia ganhar: uma música feita para ela.


Ao soar da última nota, Bruno abriu os olhos quase que ao mesmo tempo que a plateia se levantou aplaudindo, ele parado no palco sem saber o que fazer, agradecia de todas as formas que podia. “Foi só a primeira vez”, ele pensou e sorriu agradecendo.


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