Ao
Amigo Balão, doutor dos que não tem a cidade, mas tem a felicidade.
A
beira da estrada parecia ser um dos lugares mais convidativos do mundo na
opinião de Vitor. Estacionar ali e ver os carros passando, ficar no limite
entre uma cidade e outra, não pertencer a lugar nenhum por algum tempo contado
no relógio. Quando pequeno, viajava com seus pais no velho Passat grafite,
ficava deitado no banco de trás brincando de descobrir formas nas nuvens. Isso porque
as nuvens das estradas eram diferentes das que ficavam na cidade. Elas eram
mais brancas, e ele se lembrava que tomavam as mais maravilhosas formas fora da
civilização, da poluição e do barulho da cidade.
Garoava
um pouco naquele início de tarde, a temperatura estava amena, mas o céu ainda
estava bem azul. “Acho que vai dar pra ver um arco-íris hoje”, pensou Vitor
enquanto parava no acostamento. Ele rumava em direção à pequena Tatuí. Queria rever
os parentes que não encontrava já há algum tempo. Certamente a tia-avó Matilde
ainda apertaria suas bochechas, mas dessa vez diriam: “Meu Vitor, um advogado
como seu avô!”. Ele afastou o pensamento enquanto examinava seu carro que
precisava de uma boa lavagem, havia uma crosta de poeira que se espalharia logo
com a garoa fina.
Um
pouco mais a frente de onde parara o carro, ele viu uma daquelas barraquinhas
feitas de madeira e com o teto coberto por folhas de bananeira, uma placa pendurada
onde se podia ler: “BANANAS, MELÃOS E
ABACAXIS”, escrito em tinta branca. Ele decidiu ir até lá.
-Tarde,
doutor! – cumprimentou o homem por trás da bancada de frutas, um senhor mulato,
claramente humilde, um sorriso que ia de orelha a orelha e um dente faltando no
meio. Provavelmente o chamou de doutor porque ainda usava o terno, já que havia
pego a estrada logo depois do trabalho.
-Boa
tarde, senhor. O que tem fresco aí?
-Aqui
é tudo fresco, o doutor pode ter certeza! – o sorriso daquele senhor pareceu a
Vitor o mais inquebrável de todos os sorrisos. Por quê?
-É
mesmo? – Vitor sorriu de volta, mais tentando descobrir porque aquele senhor parecia tão feliz – Me vê
uma dúzia de bananas, dois melões e um abacaxi, por favor.
-É
pra já! – enquanto ele embrulhava as frutas cuidadosamente em folhas de jornal,
Vitor tentou se distrair, percebeu um panfleto perto de uma das caixas onde
ficavam as frutas. Ele era todo preto com um desenho representando uma placa de
neon vermelha que dizia “Café Insônia”, embaixo em pequenas letras brancas
apenas: Rua Augusta, sem nenhum número, nenhuma indicação. Ele achou estranho
aquilo estar ali, mas logo concluiu que alguém de passagem deveria ter deixado
ali.
-Toma
aqui, doutor. – disse o senhor interrompendo os pensamentos de Vitor e lhe
estendendo duas sacolas com as frutas.
-Quanto
fica?
-Cinco
reais. – Vitor se impressionou, aquelas frutas custavam praticamente nada
diante daqueles tempos de crise pelo qual passavam. Ele tirou uma nota de cinco
da carteira e deu ao homem.
-O
senhor mora perto daqui?
-Moro
sim, doutor.
-Cinco
reais não é muito barato pra isso tudo?
-É o
preço justo, doutor. Não quero tirar nada de ninguém.
-É o
senhor que planta essas frutas, então?
-Sou
eu sim.
-Entendo.
– mas sua cabeça capitalista tinha problemas em entender aquilo.
-O
doutor é inteligente! Com certeza entende! – esse comentário fez Vitor sorrir
timidamente.
-Posso
fazer mais uma pergunta?
-Claro!
-O
senhor é feliz?
Aquilo
pareceu espantar o velho homem por um instante, mas mesmo assim o sorriso não
desapareceu. Então, depois de um momento, sem qualquer outra hesitação, ele
respondeu:
-Sim,
doutor. E você?
Vitor
chegou em Tatuí no final da tarde, pouco antes do sol se pôr. Entregou as
frutas que comprara do homem feliz à Tia Matilde que agradeceu com um beijo tão
molhado em sua bochecha que o deixou incomodado. No bolso do paletó, um dos
panfletos que havia encontrado na barraca estava meio amassado, ele resolveu
deixá-lo ali.
Tia
Matilde passou um café que cheirava como o paraíso, os dois sentaram-se à
pequena mesa redonda na cozinha, servidos também de algumas fatias de um bolo
de milho que só poderia ter sido feito em alguma cidade do interior de São
Paulo. Ali conversava sobre todo tipo de amenidades, mas, na verdade, a cabeça
de Vitor ainda estava na pequena barraca com o teto coberto por folhas de
bananeiras e sob ela, aquele que ele acreditou, pelo menos naquela hora, ser o
homem mais feliz do mundo. E ele, talvez, jamais conseguisse responder àquele
sorriso banguela. Bebericando um café ele se lembrou dos poucos minutos que
ficara na companhia daquele homem.
-O
senhor é feliz?
-Sim,
doutor. E você?
-Posso
te responder num outro dia? – Vitor desconfiou que esse dia jamais chegaria.
-Felicidade
não tem tempo, doutor. Quando quiser! –os dois sorriram, aquela foi a melhor
resposta que poderia ter recebido.
-Vou
indo então.
-Boa
viagem, doutor. Aproveite as frutas.
Tia
Matilde falava tanto que só depois de vários minutos se deu conta que seu
sobrinho-neto provavelmente não tinha ouvido uma única palavra do que ela
tagarelava.
-O
que foi meu filho?
-Nada
tia. Só estava pensando na felicidade.
Tia
Matilde fez uma cara de quem não entendeu o que ele queria dizer com aquilo e
logo tornou a tagarelar sobre a velha Ruth que perdera seu gato, ou Melissa que
havia engravidado aos dezesseis anos. Pacientemente Vitor escutou, sua cabeça
numa linha entre Tatuí e São Paulo que era formada por um sorriso inquebrável.
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