quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Garotos Perdidos

Ao Alex, Breno, Cesar, Danilo e Léo, meus queridos ex-alunos que já cresceram.


A chuva caia a cântaros na rua, a Avenida Paulista estava colorida com os faróis dos carros brilhando, guarda-chuvas de todas as cores possíveis passeavam atravessando a rua, risadas sonoras e alegres infestavam toda a extensão da Avenida, do Paraíso até a Consolação. Aquela noite de sábado, apesar da chuva, parecia ser uma das mais felizes que a cidade já presenciara. Os sons das conversas animadas em frente a Casa das Rosas, um bebê nascendo no Santa Catarina, alguém contando sobre um novo livro que havia lido no Fran’s Café. Aparentemente o coração das pessoas estava cheio de alegria, de todos os tipos.

Descendo a Rua 13 de Maio, no bairro da Bela Vista, um grupo de cinco amigos adolescentes se encontravam. Eles subiam a rua conversando alto e dando risada, cada um com uma long neck na mão. Não estavam se importando com a chuva que caía. Eles eram meninos perdidos, perdidos no mundo, perdidos na vida. Todos perdidos da melhor maneira que poderiam estar. O mundo estava girando, e eles não se preocupavam. A vida estava apenas começando e tudo o que eles esperavam dela era pura diversão.

Na esquina da Paulista com a 13 de Maio havia uma praça, ali era seu Quartel General de todas as noites de fim de semana. Ali eles se sentavam, e ali aquela amizade crescia. Eles sabiam que quando a escola terminasse seria cada um por si e as coisas iriam ser mais difíceis, mas não queriam pensar nisso agora. Ainda tinham algumas semanas para serem adolescentes inconsequentes. Tinham mais duas semanas para se perderem.

-A gente precisa fazer uma coisa inesquecível essa noite. – disse Carlos já alterado.

-Vamos arrumar umas minas, e aí... – começou Daniel, mas logo foi interrompido.

-Que minas, mano! Temos que fazer alguma coisa louca. – disse Lucas parecendo mais animado que os outros.

-Alguma coisa louca tipo o que? – perguntou André parecendo interessado.

-Vocês estão querendo encrenca aqui... – alertou Bernardo, mas com um tom de brincadeira na voz.

-Vamos roubar um carro. – disse Carlos calmamente.

-Quê? – os outros quatro estavam realmente surpresos com a ideia do amigo.

-É, roubar um carro. A gente quer ou não que essa porra seja inesquecível? – Carlos estava decidido já se levantando.

-Carlos, como nós vamos roubar um carro, mano? Você enlouqueceu? – dizia André perplexo.

-Espera, espera, espera. – interrompeu Lucas mais uma vez. – Você tem algum plano?

-Lucas, você não pode estar falando sério. Você tá levando ele a sério? – Daniel ergueu um pouco a voz.

-Por que não? – disse ele calmo.

-Porque isso é crime! – rebateu Bernardo.

-Mas nós não vamos ficar com o carro pra gente... É só dar uma volta e devolver onde encontramos. – disse Carlos.

-E quem aqui sabe dirigir nessa porra? – disse André já nervoso.

-A gente consegue enganar... – respondeu Daniel rindo.

-E aí, vamos? – disse Lucas também se levantando.

-Vamos nessa... – disse Carlos.

Os outros três se olharam desconfiados imaginando a loucura que estavam para cometer, mas mesmo assim aceitaram.

Trinta minutos depois os cinco estavam de volta à Bela Vista, andavam pela 13 de Maio até avistarem um rapaz guardando uma chave de carro.

-Acho que é mais fácil roubar a chave do que o carro, não? – perguntou Carlos.

-Talvez... Mas quem vai roubar o cara? – perguntou Lucas nervoso. Eles se olharam ainda mais nervosos.

-Ah, foda-se! Eu vou. – disse Carlos por fim. Ele saiu atrás do rapaz sem dizer mais nada, virou a próxima rua e sumiu dos olhos dos outros. Cerca de quatro minutos depois ele voltou segurando a chave.

-Eu não acredito. – disse Bernardo atônito.

-Você roubou a chave, mas e o carro? – perguntou Danilo.

-Ele me disse onde está, eu ameacei matar. – disse Carlos.

-Mano, vocês são doidos. – disse André.

-Você também está aqui, André. Fica suave. – disse Lucas.

-Vamos? – perguntou Carlos sorrindo.

-Antes que eu perca a coragem... – disse Bernardo.

Eles foram até a Rui Barbosa, ali estava estacionado um Prisma, eles pararam em volta e Carlos anunciou:

-É esse.

-Quem dirige? – perguntou Daniel.

-Eu vou. – disse Carlos.

-Você realmente é doido, mano. – disse André rindo.

Os cinco entraram no carro, Carlos deu a partida meio desengonçado e saiu em direção a Avenida Paulista deixando o carro morrer uma ou duas vezes no caminho, o que foi motivo de riso entre os outros. Eles iam a toda velocidade que podiam pela Avenida, viam as luzes do prédio da FIESP se aproximando, a música muito alta, tocava Charlie Brown do Coldplay enquanto os cinco riam de toda a situação sem se preocupar com o que aconteceria em seguida. Ao fazerem o retorno, e Carlos aprender a trocar a marcha um pouco melhor, eles decidiram que o certo a se fazer era estacionar o carro de volta onde encontraram e deixar a chave escondida na roda. Foi o que fizeram, eles escreveram um bilhete numa nota fiscal que estava no bolso de Bernardo, com a caneta na mochila de Carlos e ele dizia: “Obrigado!”. Eles deixaram no para-brisas e saíram andando enquanto riam e o relógio marcava três da madrugada.

Carlos foi o último a chegar em casa, mas antes passou no Estadão, tinha mais uma coisa a fazer naquela noite. Ali sentado no balcão com uma cerveja ao lado, estava Douglas, o rapaz de quem ele havia emprestado a chave. Carlos ergueu a mão e devolveu a Douglas sorrindo. Ele havia fingido colocar a chave na roda.

-Obrigado, cara. Foi muito legal. – disse Carlos sorrindo.

-O carro está inteiro? – perguntou ele preocupado.

-Completamente.

-E vocês se divertiram? – Douglas sorria.

-De mais, como nunca.

-Então valeu a pena. Boa noite, Carlos.

-Boa noite, professor.


A chuva continuava a cair lá fora, o centro da cidade parecia ainda mais bonito com aquele tempo, pensou Douglas enquanto parava um táxi na rua deserta. Ao chegar em seu próprio carro, ele sorriu com o bilhete, o pegou e dobrou com carinho guardando-o no bolso. Era ele que jamais se esqueceria o que aqueles meninos representaram em sua vida.

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