terça-feira, 1 de setembro de 2015

Dizem... Eu digo...

Dizem por aí que o Capitalismo é o sistema das oportunidades, isso se resumiria no American Dream, dizem que é o único sistema que possibilita que o ser humano possa conquistar suas glórias, coleciona-las ao decorrer da vida, o sistema em que você será, acima de tudo, livre. Dizem, dizem, dizem... Eles não sabem o que dizem, perdoe-nos Jesus.

Escolhi ser professor e quando fiz essa escolha não sabia que amaria minha profissão como amo. Amo dar aula, quando estou dentro de uma sala de aula eu simplesmente faço aquilo que tenho que fazer: produzo pensamentos. Essa, aliás, é o único tipo de produção que o Capitalismo despreza, porque o pensamento pelo pensamento, pela crítica, não é revertido em dinheiro. Ninguém enriquece quando os jovens da periferia estão pensando, pelo contrário, eles tremem. Minha função (e isso deveria estar escrito nas minhas atribuições) é fazer os grandes tremerem.

Ninguém sabe o que é ser professor, a não ser que o seja. Ninguém sabe em quantos nós nos desdobramos. Eu pelo menos me desdobro em 50 se tenho 50 alunos na sala. Aliás, 51, porque tenho que deixar um pra mim. Já cansei de falar como meus alunos são oprimidos, mas e eu? Eu também sou. E muito. Gostaria de compartilhar com todos vocês meu salário para o mês de Setembro:



Sim, é isso mesmo. O valor é R$537, você não leu errado, não tem um número 1 faltando na frente. Isso é o que o professor ganha no Estado de São Paulo, menos que um salário mínimo. Meus alunos esperam algo de mim, da mesma forma que espero deles. Eu tenho a sorte de saber me comunicar com esses jovens e, por isso, eles esperam muito mais de mim do que de meus colegas. Eles esperam que a minha aula seja a melhor aula que eles terão naquele dia, no meio dos escombros de um prédio que chamam de escola. De onde eu tiro as forças para dar a eles o que esperam de mim? Será que o Governador sabe quanto custa uma passagem de ônibus/metrô hoje? Hoje, terça feira, tenho aula nos períodos da manhã e da noite, por isso acabo gastando quatro passagens. Aliás, se não fosse o Bilhete Único Mensal feito pelos “petralhas ladrões”, eu poderia trabalhar apenas duas semanas com esse salário, o resto do mês, não me sobraria dinheiro para ir à padaria.

Estou pensando há vinte e quatro horas se continuo me submetendo à tamanha humilhação por parte do Governo, por parte da sociedade (sim, vocês mesmos que reclamaram da nossa Greve todas as sextas-feiras porque estávamos atrapalhando sua volta para casa na Paulista), o que mais me dói é quando escuto de um aluno excelente um “a aula foi muito boa, professor”, isso é um enorme paradoxo: ao mesmo tempo que é gratificante, é dolorido. Meus alunos, às vezes, me veem como um herói e eu descobri que não quero ser visto como um herói, o que quero é ser valorizado pelo meu estudo, pelo meu esforço. Quero receber o valor que eu dou aos meus alunos. Mas não estamos no sistema mais justo de todos? Eu estudei quatro anos algo que as pessoas veem como um bicho de sete cabeças tamanha a complexidade, tenho dois diplomas (um de Bacharelado e um de Licenciatura), estou para começar um Mestrado numa Universidade Federal e recebo menos que um salário mínimo? Aliás, muitos dos meus alunos que mal conseguem ler e escrever, recebem mais que eu.


O coração parte, mas terminarei o ano e só esse ano. Não pretendo voltar a lecionar no Estado de São Paulo enquanto esse regime de escravidão sobre o professor não terminar. Me recuso enquanto o Governador desse Estado for um mau caráter de marca maior que nos deixa sem água, sem educação, sem dignidade. Me recuso enquanto o povo desse Estado continuar preferindo o carro (ou seja, o próprio umbigo) à água (ou seja, o bem de todos). Sinto pelos que precisam de mim, mas eu não consigo mais continuar. 

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