"(...) No fundo desejava uma vida que
havia vislumbrado, mas jamais experimentara. No entanto, essa mesma vida
desejada o assustava. Escolher é algo perigoso: quando escolhemos, temos que
abrir mão de todas as outras possibilidades". (Morte Súbita, página 436).
Às vezes demoramos tempo demais para terminarmos coisas que
deveríamos ter feito assim que tivemos a oportunidade. Não é a primeira vez que
tenho o sentimento de: “por que eu não li esse livro antes?”, e aí eu me lembro
que provavelmente porque eu não estava pronto pra ele.
Para quem me conhece não é nenhuma novidade que só me tornei
um leitor porque nasci na época exata para que isso acontecesse: faço parte – e
com muito orgulho – da geração Harry
Potter. J.K Rowling fez algo que ninguém mais poderia ser capaz de fazer no
final dos anos 90’ e começo dos anos 00’, transformou uma geração inteira em
leitores e mergulhou essas crianças em um mundo de magia que nunca tinha sido
visto antes. Eu agradeço muito à Jo Rowling.
Em 2012 eu estava no meio de um crescimento intelectual
quase que eterno, ainda não me interessava muito pelas questões políticas e
sociais do mundo. Isso só iria me atingir um ano depois quando começasse a
lecionar no Estado de São Paulo. Quando comecei a ler o primeiro livro
pós-Hogwarts de Rowling, logo o abandonei. Morte
Súbita (The Casual Vacancy) me pareceu um livro parado, o típico romance
inglês que deve ser lido acompanhado de um chá e que, certamente, me levaria à
cura da insônia. Acrescente a isso as críticas nada inspiradoras disparadas
pelos críticos. Não prenderia a atenção de um jovem adulto Diego de forma
nenhuma.
Precisamos passar por certas experiências para que outras
coisas passem a fazer algum sentido em nossas vidas. Foi assim comigo e Morte Súbita. Resolvi que retomaria a
leitura e que terminaria o livro de minha ídola dessa vez. Foi o que fiz. E foi
tudo completamente diferente. Hoje eu vejo que quem leu inteiro e não gostou
foi porque se sentiu profundamente criticado. Vi em alguma entrevista da autora
que para criar os Dursley para Harry
Potter ela teria se inspirado no tipo de pessoa que menos gosta: os
conservadores. Imagine agora um vilarejo repleto de Dursleys. É aí que acaba as
semelhanças com o mundo dos trouxas, apresentado anteriormente (a não ser,
talvez, pela semelhança entre os nomes Barry Fairbrother e Harry Potter). Não
adianta que ninguém procure algo de magia nesse livro, não vai encontrar. Pelo
contrário, durante as 501 páginas, esbarramos na mais pura realidade do mundo.
Sim, senhores, a realidade é política. A realidade é sim a
luta de classes e quem não vê isso é porque está muito confortável no seu
mundinho de pequenos luxos e prazeres ou porque simplesmente é egoísta de mais
para admitir que existem problemas maiores do que os seus próprios. A história
se passa no vilarejo fictício chamado de Pagford e a narrativa começa com a morte
de um dos conselheiros do vilarejo, Barry Fairbrother. Esse homem tentava
defender um bairro de classe baixa que ficava sob a jurisdição de Pagford,
Fields, ao passo que a classe média-alta de Pagford acreditava que esse bairro
deveria ficar sob a competência da cidade vizinha: Yarvil.
No meio disso tudo, uma luta política acirrada acontece, a
clara luta entre a esquerda e a direita se desenvolve entre a mesquinhez
completa da classe média. Suas preocupações medíocres e egocêntricas que deixam
de lado todo o resto do mundo são os principais alvos de J.K Rowling. É como se
a Rua dos Alfeneiros tivesse se multiplicado e formado esse pequeno vilarejo. A
maior parte dos personagens são o retrato real de tudo o que vemos hoje no
Brasil e no mundo: o ódio e o desprezo por tudo aquilo que é feio e sujo, tudo
aquilo que é deixado à margem. As pessoas que não se encaixam num certo padrão
de vida ou que acabam caindo nas garras das drogas ou do crime fazem isso por
uma escolha lúcida e certeira e, por isso, são culpadas pelos dramas de suas
vidas. Quem vai salvar a pátria? Claro, o homem machista, heterossexual e
branco que representa toda a moralidade de São Paulo... Digo, de Pagford.
Alguns trechos do livro me deixaram com uma vontade doentia
de vomitar, outras me revoltaram ainda mais, enquanto algumas outras me
pareceram muito familiares, ao ponto de me assustar tamanha a familiaridade.
Não, Morte Súbita
não é um livro ruim. Muito pelo contrário, é um livro que prova que algumas
pessoas não esquecem de onde vieram e dos verdadeiros problemas que passaram
(para os que não sabem, Rowling comeu o pão que o diabo amassou antes de
publicar A Pedra Filosofal), algumas
pessoas possuem um sentimento que falta a maioria da população do nosso tempo: empatia. O livro é trágico, triste.
Completamente para baixo, não tem absolutamente nada de feliz sobre essa história, a felicidade dela está na sua
reflexão sobre o que fazer em seguida. Alguns personagens concentram toda a
humanidade da história: a marginalizada Krystal e seu irmão Robbin, a
assistente social Kay, o adolescente com a cara cheia de acne, Andrew, a
orientadora educacional Tessa, a excluída Sukhvinder. Mas, a humanidade maior
de todo o livro está no fato da morte de Barry Fairbrother e não
necessariamente no próprio, mas no que ele criou.
Repito: se você leu Morte
Súbita e não gostou, diria que você ou não está pronto – como eu não estava
– ou se sentiu completamente criticado e teve seu orgulho ferido pela dura
realidade jogada bem no meio da sua cara.Quanto à essa realidade: pense no bebê sírio encontrado numa praia da
Turquia, está tudo em Morte Súbita.
Se você, mesmo assim, ainda acha que o Capitalismo e essa onda conservador
absurda são o caminho correto. Amigo, você é um babaca.
PS: A minissérie produzida pela BBC em três capítulos é bem
diferente do livro, alguns personagens são excluídos e uma boa parte da história
suprimida. Acredito que tenha sido excluída a parte principal de toda a trama:
a crítica social. Enquanto série de entretenimento, é muito boa, enquanto
adaptação, muito pobre.


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