"Noite de vento, noite de mortos..."
Quando pequeno, por volta dos dez ou onze anos, minha época
preferida da História do Brasil era uma que pouco nos era ensinada nas escolas
de São Paulo, tratava-se da maior Guerra em território brasileiro: a Guerra dos
Farrapos. Não sabia muito bem os motivos de gostar de ouvir falar naquilo,
talvez fosse a Indústria Cultural tomando conta de mim quando era transmitida
pela primeira vez A Casa das Sete
Mulheres. Cresci e outras coisas tornaram-se mais importantes de serem
estudadas, veio a Filosofia e sua abstração, veio o marxismo dando-me socos no
estômago. Saí do arroz e feijão que Harry
Potter representava para mim e alcei voos mais altos nos campos da Literatura.
Foi só recentemente que o peso na consciência de conhecer
alguns clássicos da Literatura Britânica ou Americana sem conhecer alguns dos
nossos mais importantes, tomou conta de mim e resolvi, aos poucos, resolver
esse problema. Eis que se apresenta a mim um projeto: o Lendo o Tempo e o Vento
do canal da querida Tatiana Feltrin no YouTube. Sete volumes de uma trilogia
escrita por Erico Veríssimo sobre a formação do Sul do país. Me perguntei: por
que não? A pergunta foi retórica, eu sabia a resposta: porque eu tenho vinte
aulas por semana, porque estou começando um Mestrado, porque preciso ter uma
vida. Mas sou teimoso o bastante para ir em frente com esses desafios, foi o
que fiz. Em pouco mais de uma semana, devorei o primeiro volume de O Tempo e o Vento, chamado de O Continente, volume 1.
Cléo Pires como Ana Terra na adaptação cinematográfica de 2013.
Nesse primeiro tomo, Veríssimo nos apresenta às origens do
clã Terra-Cambará. Vemos crescer o mestiço de índio e castelhano Pedro
Missioneiro, vemos sua chegada à estância de Maneco Terra, onde Pedro, ferido,
é acolhido pela família de estancieiros. A filha, Ana Terra, logo se apaixona
pelo índio. O amor é recíproco e gera um filho, uma desonra, e uma morte. Aqui
o que me chamou a atenção foi a representação dos costumes e da moral da época –
que infelizmente ainda está presente nos dias de hoje. O velho Maneco Terra
perde a cabeça ao ver sua única filha desonrada, manda que seus dois filhos
matem Pedro. Diante disso, Ana Terra suporta a amargura do pai, tem o filho a
quem chama de Pedro. Vê a mãe morrer, vê a estância destruída, o pai e o irmão
sendo mortos, passa por um estupro coletivo e ainda tem condições de
levantar-se, criar o filho, sumir dali e recomeçar sua vida. Meu amor pela
personagem foi quase que imediato. Um amor meio agridoce, mas um amor. Ana
muda-se para um recém fundado povoado chamado Santa Fé sob o domínio do Coronel
Ricardo Amaral, e ali vê sua família se desdobrar. Pedro se casa e tem mais
dois filhos: Juvenal e Bibiana. Ana Terra se transforma na parteira do povoado
e tem uma vida feliz, apesar de ver seu filho ir para a guerra por duas vezes,
mas sempre voltar vivo.
Marjorie Estiano como Bibiana na adaptação cinematográfica de 2013.
Bibiana cresce à sombra de sua avó, aprende com ela
diversas coisas, mas principalmente que a sina das mulheres é de esperar,
esperar, esperar. Sempre esperando pelo marido, pelo filho. Esperando por algo
que volta, mas que parece não ser o bastante. Ana morre já anciã. Bibiana é sua
continuação (duas vezes Ana), cresce e torna-se uma bela mulher. Até que um dia,
no pacato e pacífico povoado de Santa Fé, o Vento traz um certo Capitão Rodrigo
Cambará. E aqui, senhoras e senhores, é que a história começa de verdade.
Rodrigo é o típico homem do início do século XIX, sim, tem
um discurso machista, é um mulherengo de marca maior, mas é aquilo que todo ser
humano gostaria de ser: um espírito livre. E por ser esse espírito livre, não é
hipócrita. Peço licença para expressar minha mais humilde opinião sobre o personagem:
ele é o melhor personagem masculino que já esbarrei por aí. Meu amor por Ana
Terra foi agridoce, mas meu amor instantâneo pelo querido Capitão Rodrigo foi
simplesmente doce.
Como disse, há discursos extremamente machistas que saem da
boca do Capitão, vocês podem alegar minha hipocrisia. Não, de forma alguma.
Entende-se o contexto, o rapaz não estava assim tão livre dos discursos sociais
impostos. A virilidade e a masculinidade são até hoje elementos essenciais da
construção da sociedade, como não seria em meados do século XIX? Considerado
isso, não peço desculpas por amar Rodrigo. Logo em sua primeira fala ele já
conquista o leitor, porque é despojado e espontâneo, tem aquele tipo de sorriso
que simplesmente te derruba (tanto que foi interpretado por Tracísio Meira e
Thiago Lacerda em suas adaptações). Claro, nosso bonvivan apaixona-se à primeira vista por Bibiana quando a encontra
no cemitério, no dia de Finados quando está levando flores ao túmulo de sua avó.
Nada nessa cena parece por acaso. Depois de algumas idas e vindas, de um duelo
aqui e outro ali, um pulmão perfurado, os dois acabam por casar-se. Bibiana tem
três filhos: Bolívar (exatamente isso que você leu), Anita e Leonor.

Thiago Lacerda como Capitão Rodrigo na adaptação cinematográfica de 2013.
Em certo momento, eclode a Revolução Farroupilha e nosso
querido Capitão parte para se unir às forças de Bento Gonçalves que quer
separar o Rio Grande do Brasil e declara a Independência Rio-grandensse. E
Bibiana espera... Espera, espera. Tal como sua vó. Ela espera. Não reclama, não
diz, apenas espera. Mas é forte, muito forte. Duas vezes mais forte que Ana
Terra, e é a outra personagem pela qual me apaixonei, mas com ela, o amor vai
se desenvolvendo ao passar das palavras.
Em suma, o primeiro volume de O Tempo e o Vento é um início digno de uma obra completa, se tudo
acabasse por ali, eu não teria problemas com isso. O clássico estava feito,
estava tudo pronto. Mas vamos seguir... descobrir o que acontece no Sobrado que
visitamos paralelamente às vidas de Ana Terra e sua família, onde Bibiana já
muito velha espera mais uma guerra terminar em 1895, a guerra que levou à
consolidação da República no Brasil. Espero que a cada volume possa escrever
algo sobre. Não me coloquei nenhum limite para ler esses livros, mas estou
sempre um livro atrasado em relação ao TinyLittle Things. Mas, vamos que vamos! Aproveitar essa falta de vento e esse
calor que está perdido aqui por São Paulo em meio ao inverno para sentir o
Vento de outros lugares e esperar o Tempo passar.


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