domingo, 20 de setembro de 2015

"O Tempo e o Vento - O Continente, vol. 1"



"Noite de vento, noite de mortos..."

 

Quando pequeno, por volta dos dez ou onze anos, minha época preferida da História do Brasil era uma que pouco nos era ensinada nas escolas de São Paulo, tratava-se da maior Guerra em território brasileiro: a Guerra dos Farrapos. Não sabia muito bem os motivos de gostar de ouvir falar naquilo, talvez fosse a Indústria Cultural tomando conta de mim quando era transmitida pela primeira vez A Casa das Sete Mulheres. Cresci e outras coisas tornaram-se mais importantes de serem estudadas, veio a Filosofia e sua abstração, veio o marxismo dando-me socos no estômago. Saí do arroz e feijão que Harry Potter representava para mim e alcei voos mais altos nos campos da Literatura.

Foi só recentemente que o peso na consciência de conhecer alguns clássicos da Literatura Britânica ou Americana sem conhecer alguns dos nossos mais importantes, tomou conta de mim e resolvi, aos poucos, resolver esse problema. Eis que se apresenta a mim um projeto: o Lendo o Tempo e o Vento do canal da querida Tatiana Feltrin no YouTube. Sete volumes de uma trilogia escrita por Erico Veríssimo sobre a formação do Sul do país. Me perguntei: por que não? A pergunta foi retórica, eu sabia a resposta: porque eu tenho vinte aulas por semana, porque estou começando um Mestrado, porque preciso ter uma vida. Mas sou teimoso o bastante para ir em frente com esses desafios, foi o que fiz. Em pouco mais de uma semana, devorei o primeiro volume de O Tempo e o Vento, chamado de O Continente, volume 1.

Cléo Pires como Ana Terra na adaptação cinematográfica de 2013.


Nesse primeiro tomo, Veríssimo nos apresenta às origens do clã Terra-Cambará. Vemos crescer o mestiço de índio e castelhano Pedro Missioneiro, vemos sua chegada à estância de Maneco Terra, onde Pedro, ferido, é acolhido pela família de estancieiros. A filha, Ana Terra, logo se apaixona pelo índio. O amor é recíproco e gera um filho, uma desonra, e uma morte. Aqui o que me chamou a atenção foi a representação dos costumes e da moral da época – que infelizmente ainda está presente nos dias de hoje. O velho Maneco Terra perde a cabeça ao ver sua única filha desonrada, manda que seus dois filhos matem Pedro. Diante disso, Ana Terra suporta a amargura do pai, tem o filho a quem chama de Pedro. Vê a mãe morrer, vê a estância destruída, o pai e o irmão sendo mortos, passa por um estupro coletivo e ainda tem condições de levantar-se, criar o filho, sumir dali e recomeçar sua vida. Meu amor pela personagem foi quase que imediato. Um amor meio agridoce, mas um amor. Ana muda-se para um recém fundado povoado chamado Santa Fé sob o domínio do Coronel Ricardo Amaral, e ali vê sua família se desdobrar. Pedro se casa e tem mais dois filhos: Juvenal e Bibiana. Ana Terra se transforma na parteira do povoado e tem uma vida feliz, apesar de ver seu filho ir para a guerra por duas vezes, mas sempre voltar vivo. 

                                      Marjorie Estiano como Bibiana na adaptação cinematográfica de 2013.

Bibiana cresce à sombra de sua avó, aprende com ela diversas coisas, mas principalmente que a sina das mulheres é de esperar, esperar, esperar. Sempre esperando pelo marido, pelo filho. Esperando por algo que volta, mas que parece não ser o bastante. Ana morre já anciã. Bibiana é sua continuação (duas vezes Ana), cresce e torna-se uma bela mulher. Até que um dia, no pacato e pacífico povoado de Santa Fé, o Vento traz um certo Capitão Rodrigo Cambará. E aqui, senhoras e senhores, é que a história começa de verdade.
Rodrigo é o típico homem do início do século XIX, sim, tem um discurso machista, é um mulherengo de marca maior, mas é aquilo que todo ser humano gostaria de ser: um espírito livre. E por ser esse espírito livre, não é hipócrita. Peço licença para expressar minha mais humilde opinião sobre o personagem: ele é o melhor personagem masculino que já esbarrei por aí. Meu amor por Ana Terra foi agridoce, mas meu amor instantâneo pelo querido Capitão Rodrigo foi simplesmente doce.

Como disse, há discursos extremamente machistas que saem da boca do Capitão, vocês podem alegar minha hipocrisia. Não, de forma alguma. Entende-se o contexto, o rapaz não estava assim tão livre dos discursos sociais impostos. A virilidade e a masculinidade são até hoje elementos essenciais da construção da sociedade, como não seria em meados do século XIX? Considerado isso, não peço desculpas por amar Rodrigo. Logo em sua primeira fala ele já conquista o leitor, porque é despojado e espontâneo, tem aquele tipo de sorriso que simplesmente te derruba (tanto que foi interpretado por Tracísio Meira e Thiago Lacerda em suas adaptações). Claro, nosso bonvivan apaixona-se à primeira vista por Bibiana quando a encontra no cemitério, no dia de Finados quando está levando flores ao túmulo de sua avó. Nada nessa cena parece por acaso. Depois de algumas idas e vindas, de um duelo aqui e outro ali, um pulmão perfurado, os dois acabam por casar-se. Bibiana tem três filhos: Bolívar (exatamente isso que você leu), Anita e Leonor. 

                                Thiago Lacerda como Capitão Rodrigo na adaptação cinematográfica de 2013.

Em certo momento, eclode a Revolução Farroupilha e nosso querido Capitão parte para se unir às forças de Bento Gonçalves que quer separar o Rio Grande do Brasil e declara a Independência Rio-grandensse. E Bibiana espera... Espera, espera. Tal como sua vó. Ela espera. Não reclama, não diz, apenas espera. Mas é forte, muito forte. Duas vezes mais forte que Ana Terra, e é a outra personagem pela qual me apaixonei, mas com ela, o amor vai se desenvolvendo ao passar das palavras.

Em suma, o primeiro volume de O Tempo e o Vento é um início digno de uma obra completa, se tudo acabasse por ali, eu não teria problemas com isso. O clássico estava feito, estava tudo pronto. Mas vamos seguir... descobrir o que acontece no Sobrado que visitamos paralelamente às vidas de Ana Terra e sua família, onde Bibiana já muito velha espera mais uma guerra terminar em 1895, a guerra que levou à consolidação da República no Brasil. Espero que a cada volume possa escrever algo sobre. Não me coloquei nenhum limite para ler esses livros, mas estou sempre um livro atrasado em relação ao TinyLittle Things. Mas, vamos que vamos! Aproveitar essa falta de vento e esse calor que está perdido aqui por São Paulo em meio ao inverno para sentir o Vento de outros lugares e esperar o Tempo passar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário