sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Digressão no Tempo



    Já faz quanto tempo? Tempo demais. Tempo, tempo. Essa coisa estranha que não volta, não dá para viver sem. Ele fica no passado, presente e futuro e todos nós, minúsculos, ficamos a sua mercê. Aos doze queremos ter dezoito e o tempo nunca passa, mas quando chegam os dezoito, ele não para. Simplesmente continua fluindo. Nosso corpo sente o fluir do tempo, ele vai ficando cansado, mais fraco, ainda que esteja forte, não é o mesmo. O tempo cinza me faz nostálgico, a semana pesada me faz saudoso. Saudoso de tantas coisas que sei que não voltam mais, ficam na memória para sempre.

   Lembro dos dias cinzas de quinze anos atrás, quando eu era uma criança e ainda não tinha muita noção do que era o mundo. Lembro de ficar enrolado nas cobertas vendo desenhos na televisão, lembro do meu pai fazendo chocolate quente para mim sempre que começava Batman. Lembro do cheiro, do gosto e da textura. Lembro de ficar empolgado com a minha vida, minha vida que já tinha começado e estava numa das melhores partes. Mas a gente nunca sabe quando é a melhor parte. Ela fica acontecendo meio escondida, meio sem dizer nada e quando vai embora, deixa como um buraco no peito que não é preenchido mais.

    As pessoas que foram como cometas em nossas vidas e aquelas que são estrelas e não cessam jamais de brilhar no nosso céu. Brilham como se fossem eternas e depois que vão embora, continuam ali brilhando, não se apagam até nós mesmos nos apagarmos. E nós, quando nos apagamos ainda brilhamos para outras pessoas e assim fica de nós um eco, um eco bonito de som brilhante. Quase como o riso de uma criança. E as crianças guardam no sonho as histórias que contamos, guardam na mente o exemplo que nos tornamos. Guardam no coração os abraços que lhes damos. Ficamos lá: muito bonitos.

    Os corações quebrados se emendam, ficam rachados até alguém chegar e massageá-los e as rachaduras somem, viram tatuagens que ficam ali nos lembrando do que fomos, mas sem nos impedir de seguir em frente e de amar outra vez. Ficam lá, tão bonitas e inesquecíveis que queremos sempre exibir. As mesas viram, o jogo vira e nós continuamos. Como numa visão do futuro, galopamos por campos muito verdes com riachos que não param, sentimos o vento frio cortando o rosto de um jeito gostoso e o cheiro das flores enquanto corremos, corremos e nos tornamos, nós mesmos, o próprio vento.

    Lembramos que as pessoas não são só aquelas que pensam e se parecem conosco, porque seguimos pegadas de um estranho e descobrimos coisas que nunca soubemos antes. Coisas novas e incríveis e muito bonitas, muito importantes. Descobrimos coisas únicas, pequenas diferenças que fazem das pessoas partes de um quebra-cabeças muito instigante de se montar, empenhamos um longo tempo decifrando esse quebra-cabeça e nunca chegamos a nos arrepender. E é impossível compreender, porque todos estão num movimento constante, numa evolução que não para.

    Mas já faz quanto tempo mesmo? Tempo demais.

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