segunda-feira, 20 de julho de 2015

Café x Coca-Cola


Aos amigos que ficam e também aos colegas que foram.

Eu sentia o cheiro do chocolate no ar, a hora do intervalo aproximava-se muito rápido e eu tinha cada vez mais fome. Provavelmente a vontade era maior que a fome. Aquele croissant repleto de chocolate derretido – porém de qualidade muito duvidosa – me esperava em alguns minutos. O cheiro de pó de giz me irritava um pouco e minhas mãos ficavam cada vez mais secas por causa dele, quiçá minhas narinas. Os alunos discutiam animadamente as questões que os angustiavam, porque adolescentes também sentem angústia, embora os adultos insistam em esquecer isso. Mas, aqueles adolescentes não eram meus amigos e eu. Já muitos anos haviam se passado e alguns haviam ficado para trás, outros foram esquecidos. Provavelmente não era aquela amizade que se leva para o resto da vida, colegas sim.

O sinal soou e as angústias terminaram logo. Eles desceram apressados para não enfrentar uma fila muito grande na cantina, afinal, sempre achei vinte minutos de intervalo um período muito curto para que se possa comer, beber, esticar os ossos e ainda socializar, que era o mais importante na escola. Continua sendo. Desci as escadas com os alunos me cumprimentando com aquele ar de encantamento: “Bom dia, professor”, as meninas diziam isso meio que sorrindo, eu não conseguia entender muito bem essa fascinação toda.

Cheguei à sala dos professores e respirei fundo, todos conversavam sobre o mesmo de todas as manhãs, muitas vezes nada que interessasse muito. Aquela sala era a única excluída das minhas memórias em todo aquele prédio, talvez seja a única sala que não foi marcada por nossas risadas, nem as lágrimas. Mas o banheiro dos professores... Esse está bem marcado. Eu vi as coisas do outro lado agora, mas ainda me sentia meio adolescente. É aquela fase da vida em que você e seus amigos estão começando suas carreiras, é aquele momento em que as pessoas costumam aceitar tudo que é imposto no trabalho (nós não temos nem nunca tivemos feitio pra isso), estão todos com falta de dinheiro porque ainda ganham pouco e não conseguem se manter sozinhos ainda. Percebi o quão absurdo aquilo era para mim: eu não podia me virar sozinho, mas conseguia me virar com cinquenta adolescentes em uma sala de aula. O mundo é uma coisa contraditória.

Sentei-me na cadeira costumeira com meu copo de café na mão – muito açúcar -, percebi que anos atrás provavelmente seria uma lata de Coca-cola no lugar, bem, a cafeína ainda está ali. Percebi que no lugar dos pequenos croissants salgados enviados pela cantina, seria primeiro uma coxinha e depois um croissant de chocolate, quanto mais recheado melhor. Percebi também que quando senti o cheiro do chocolate em sala, aquilo fora apenas uma memória e não um cheiro real. Meu estômago revirou. Hoje, uma menina de uns sete anos me ofereceu um lugar no ônibus e eu ainda estou mais perto dos vinte do que dos trinta. Ainda assim, fico surpreso com a nostalgia é algo presente m mim.

Percebo com o último gole de café (e o sinal já vai tocar de novo, tão rápido) que a vida nos levou para lugares nem tão distintos, afinal, todos nós estávamos lutando por alguma coisa nessa cidade e nessas ruas estranhas, cinzentas e cheias de pedras. Não havia mais o ombro para chorar (ou dormir) todas as manhãs, não haveria mais, provavelmente. Mas as vidas estavam encaminhadas. Ali ao meu lado minha ex-professora e agora colega me olhava curiosa, com aqueles olhos de quem sabia exatamente o que eu estava pensando – sempre fora assim. Sorri e perguntei à mulher que me ensinou a escrever:

-Professora, a senhora acha que nos demos bem?
-Vocês se deram bem desde o momento em que nasceram, querido.


Sorri e meu coração sorriu junto, com uma alegria quase boba do aluno que recebe um elogio sincero de seu professor. Subi a escada mais animado, antes de entrar na sala que ficava logo a frente da escada (e que fora minha última sala como aluno ali) e olhei o corredor. Vi duas pequenas meninas sonhadoras sentadas lá no fundo dividindo um livro de romance água com açúcar, no parapeito da escada um que achava que nada tinha jeito e estava decidido a pular e se matar enquanto eu tentava dissuadi-lo. Aqueles dois que subiam as escadas discutindo como sempre em alto e bom som. A turma toda voltando muito lentamente para mais três aulas que se arrastariam. Uma pequena com uma coca-cola e algum salgado na mão, a coca-cola duraria até a última aula. Correríamos para nos esconder da inspetora enquanto cabulávamos aula. No final do dia, tudo ficaria bem. 

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