Aos
amigos que ficam e também aos colegas que foram.
Eu sentia o cheiro do chocolate no ar,
a hora do intervalo aproximava-se muito rápido e eu tinha cada vez mais fome. Provavelmente
a vontade era maior que a fome. Aquele croissant
repleto de chocolate derretido – porém de qualidade muito duvidosa – me esperava
em alguns minutos. O cheiro de pó de giz me irritava um pouco e minhas mãos
ficavam cada vez mais secas por causa dele, quiçá minhas narinas. Os alunos
discutiam animadamente as questões que os angustiavam, porque adolescentes
também sentem angústia, embora os adultos insistam em esquecer isso. Mas, aqueles
adolescentes não eram meus amigos e eu. Já muitos anos haviam se passado e alguns
haviam ficado para trás, outros foram esquecidos. Provavelmente não era aquela
amizade que se leva para o resto da vida, colegas sim.
O sinal soou e as angústias terminaram
logo. Eles desceram apressados para não enfrentar uma fila muito grande na
cantina, afinal, sempre achei vinte minutos de intervalo um período muito curto
para que se possa comer, beber, esticar os ossos e ainda socializar, que era o
mais importante na escola. Continua sendo. Desci as escadas com os alunos me
cumprimentando com aquele ar de encantamento: “Bom dia, professor”, as meninas
diziam isso meio que sorrindo, eu não conseguia entender muito bem essa fascinação
toda.
Cheguei à sala dos professores e
respirei fundo, todos conversavam sobre o mesmo de todas as manhãs, muitas
vezes nada que interessasse muito. Aquela sala era a única excluída das minhas
memórias em todo aquele prédio, talvez seja a única sala que não foi marcada
por nossas risadas, nem as lágrimas. Mas o banheiro dos professores... Esse
está bem marcado. Eu vi as coisas do outro lado agora, mas ainda me sentia meio
adolescente. É aquela fase da vida em que você e seus amigos estão começando
suas carreiras, é aquele momento em que as pessoas costumam aceitar tudo que é
imposto no trabalho (nós não temos nem nunca tivemos feitio pra isso), estão
todos com falta de dinheiro porque ainda ganham pouco e não conseguem se manter
sozinhos ainda. Percebi o quão absurdo aquilo era para mim: eu não podia me
virar sozinho, mas conseguia me virar com cinquenta adolescentes em uma sala de
aula. O mundo é uma coisa contraditória.
Sentei-me na cadeira costumeira com
meu copo de café na mão – muito açúcar -, percebi que anos atrás provavelmente
seria uma lata de Coca-cola no lugar, bem, a cafeína ainda está ali. Percebi que
no lugar dos pequenos croissants
salgados enviados pela cantina, seria primeiro uma coxinha e depois um croissant de chocolate, quanto mais
recheado melhor. Percebi também que quando senti o cheiro do chocolate em sala,
aquilo fora apenas uma memória e não um cheiro real. Meu estômago revirou.
Hoje, uma menina de uns sete anos me ofereceu um lugar no ônibus e eu ainda
estou mais perto dos vinte do que dos trinta. Ainda assim, fico surpreso com a
nostalgia é algo presente m mim.
Percebo com o último gole de café (e o
sinal já vai tocar de novo, tão rápido) que a vida nos levou para lugares nem
tão distintos, afinal, todos nós estávamos lutando por alguma coisa nessa
cidade e nessas ruas estranhas, cinzentas e cheias de pedras. Não havia mais o
ombro para chorar (ou dormir) todas as manhãs, não haveria mais, provavelmente.
Mas as vidas estavam encaminhadas. Ali ao meu lado minha ex-professora e agora
colega me olhava curiosa, com aqueles olhos de quem sabia exatamente o que eu
estava pensando – sempre fora assim. Sorri e perguntei à mulher que me ensinou
a escrever:
-Professora, a senhora acha que nos
demos bem?
-Vocês se deram bem desde o momento em
que nasceram, querido.
Sorri e meu coração sorriu junto, com
uma alegria quase boba do aluno que recebe um elogio sincero de seu professor.
Subi a escada mais animado, antes de entrar na sala que ficava logo a frente da
escada (e que fora minha última sala como aluno ali) e olhei o corredor. Vi
duas pequenas meninas sonhadoras sentadas lá no fundo dividindo um livro de
romance água com açúcar, no parapeito da escada um que achava que nada tinha
jeito e estava decidido a pular e se matar enquanto eu tentava dissuadi-lo. Aqueles
dois que subiam as escadas discutindo como sempre em alto e bom som. A turma
toda voltando muito lentamente para mais três aulas que se arrastariam. Uma
pequena com uma coca-cola e algum salgado na mão, a coca-cola duraria até a
última aula. Correríamos para nos esconder da inspetora enquanto cabulávamos
aula. No final do dia, tudo ficaria bem.
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