"[Sócrates] - Ah, como desejaria ver-te preservar! Tenho, porém, um grande medo. Não que desconfie de tua natureza, mas, constatando a potência de nossa cidade, temo que ela nos vença, tanto a ti quanto a mim"
(Platão, Alcíbiades, 135e)
Quando minha mãe descobriu que
tínhamos câncer, não tivemos muito tempo para digerir a ideia. O câncer de
mama, e já estava num estado avançadíssimo. A cirurgia foi marcada para dali
algumas semanas (duas, se não me engano). Eu tinha quase dezoito anos, e aos
dezoito anos nós acreditamos sermos invencíveis. Isso pode soar muito egoísta,
mas é a verdade na mente de um adolescente terminando o ensino médio: não era
comigo. Eu mantive a calma. Aliás, eu era uma pessoa muito estourada naquela
época, não conseguia segurar absolutamente nada, mas isso eu segurei, segurei
muito.
Lembro que chorei apenas quando estava
sozinho, na noite em que minha mãe foi internada antes de fazer a cirurgia. Minha
irmã ficou no hospital com ela o tempo inteiro e eu não deixei que meu pai
viesse para nossa casa dormir comigo, afinal, eu iria para a escola no dia
seguinte. Minha família iria chegar, e eu tinha meu cachorro. Não precisava
ficar com alguém. Mesmo assim, não dormi no quarto naquela noite. Levei o
colchão para a sala e devo ter assistido a algum filme na TV até ficar com sono
e conseguir dormir (esse processo tem sido bem complicado para mim desde 2008).
A cirurgia foi um sucesso e todo o pós-operatório, completamos cinco anos e nem
um resquício de câncer na mulher mais forte que já conheci e que tenho o imenso
prazer e honra de poder chamar de mãe.
Demorou algum tempo para que a ficha
caísse e eu entendesse que aquele fora um contato com a finitude humana, talvez
o primeiro – provavelmente o pior que uma pessoa possa ter: o de perder a mãe. Eu
me considero uma daquelas pessoas muito sortudas no mundo. Mas claro,
resquícios ficam e eles ficaram muito mais comigo do que com o resto da
família. Eu tenho medo da morte. Tinha muito medo que as pessoas morressem, que
minha mãe morresse. Hoje meu maior medo é morrer antes dela. Medo é uma coisa
com a qual tenho que lidar todos os dias, de uma forma ou de outra. Esse ano
tem se mostrado um ano de enfrentamento desses medos e sua consequente
superação. Vocês não tem ideia da quantidade de coisas que escolhi enfrentar. Meu 2014 foi um ano terrível, mas sem ele eu não
teria coragem ou força de vontade pra conseguir prosseguir com o meu 2015 que
vem sendo de transição, e toda mudança é difícil, mas a gente chega lá.
Desde 2013 tenho tido ápices de
nostalgia que começaram a ser causados após a minha leitura de Turma da Mônica – Laços, parte do
projeto de Graphic Novels do Maurício
de Souza, comemorando o meio-século de sua carreira e de nossa querida Mônica.
Desenhada e roteirizada pelos irmãos Lú e Vitor Caffagi, Laços trazia a turminha toda numa aventura fantástica. Cebolinha,
Magali, Cascão e Mônica saíram de casa pra procurar o perdido Floquinho. Toda a
história tem uma sensação gostosa de filmes da sessão da tarde como Conta Comigo ou Os Goonies, apresentando as aventuras que toda criança sonhou viver
um dia.
O projeto conta com outras sete
histórias feitas por diversos autores e artistas (todos sensacionais), mas com
certeza Laços foi a mais tocante para
mim. Primeiro porque tive muito contato com a Turma da Mônica por meio das
animações dos anos de 1980 (como a minha preferida de todos os tempos: A Estrelinha Mágica), portanto, os
outros personagens fizeram um papel mais secundário na formação do meu
imaginário. Pera aí... Formação do imaginário? Com certeza.
Acho que poucas obras marcam a gente
de tal forma a constituir permanentemente o nosso imaginário particular, no meu
caso Mônica e seus amigos (em especial o Cebolinha) e Harry, Rony e Hermione
são esses habitantes permanentes do meu imaginário. Cada um numa fase diferente
da minha vida. Essa semana, os irmãos Caffagi lançaram a continuação de Laços, a maravilhosa Lições. A princípio pensamos que as
lições em questão são as lições de casa, mas logo percebemos que essas lições
são bem maiores. São aquelas que aprendemos ao decorrer de nossas vidas e que
nos definem, mas acima de tudo, são as lições que aprendemos com nossas
famílias e nossos amigos que vão nos formar e nos fazer crescer de uma forma
que nenhuma outra experiência poderia fazer.
Com a inocência única da turminha, nós
acabamos nos transportando para o bairro do Limoeiro (que é a rua de todo
mundo), a escola quando as coisas eram muito mais simples e nos deparamos com
uma angústia que não some de nós, sempre esteve ali, desde que éramos crianças:
parece que o passado sempre é melhor que o presente. Precisamos entender,
aprender que enquanto estivermos com as pessoas que realmente amamos, então,
nossa vida será tão incrível quanto puder ser. Vou confessar algo pra
finalizar: os Estados Unidos tem todos aqueles super-heróis, o Japão tem todos
aqueles cavaleiros e guerreiros de outros planetas, mas nós temos a tulma mais
legal da galáxia! Faço votos de que essa duologia torne-se uma trilogia, minhas memórias agradecem.
Em 2011 conheci Judith Butler, uma
filósofa norte-americana que me deu um caminho sobre o que eu sempre quis
falar: identidade de gênero. Eu não tinha o embasamento teórico e nem histórico
para discutir o assunto até então. Desde então, venho escrevendo sobre o
assunto e debatendo-o com amigos, nas redes sociais e em sala de aula de forma
quase incansável. Mas uma autorreflexão me leva a questionar de onde veio essa
vontade. Claro, é impossível falar sobre o assunto sem falar sobre a condição
feminina no mundo, sobre o feminismo, sobre o binarismo estabelecido pela
sociedade, sobre o machismo. Tudo isso está num espectro só.
O fato de eu ter sido criado por duas
mulheres – minha mãe e minha irmã – e que minha família é basicamente
constituída de mulheres que foram muito fortes para suas épocas, certamente foi
fator determinante para o meu interesse no assunto. Há centenas de filósofos,
sociólogos, jornalistas, historiadores, atrizes de Hollywood (Patricia Arquette
e seu discurso sem igual!) e os economistas (porque os economistas,
principalmente de certas publicações, sabem de tudo), mas acredito que ninguém
jamais tenha falado de tal assunto de forma tão leve e tão divertida quanto as Spice Girls. Sim, a girlband britânica que foi um sucesso estrondoso no final dos anos
de 1990.
Quando as apimentadas lançaram seu
primeiro hit, Wannabe, eu tinha quase
cinco anos de idade, o que significa que minha irmã deveria ter acabado de
completar doze anos, portanto, uma pré-adolescente. Uma pré-adolescente que foi
tomada pela Spice Fever, lembro-me
muito claramente da fita tocando sem parar a tarde inteira, lembro também da
Rede Globo anunciando um inédito show ao vivo das meninas em Istambul, lembro
da camiseta com a capa do primeiro álbum, lembro-me
de ir assistir ao filme (ele não é tão ruim assim...) Spiceworld nas estreia e dublado. Pra mim, as Spice Girls eram um festival de cores e de danças animadas, com o
lançamento do clipe de Viva Forever(aquele das fadinhas) em 1998, o trabalho delas estava completo para comigo: eu
era um fã. Isso faz quase vinte anos, eu continuo sendo. Me emocionei nas
Olimpíadas, fiquei frustrado quando elas cancelaram o show da Argentina em 2007
(eu ia!).
Mas foi apenas depois de mais velho
que percebi como aquele feminismo era gostoso. É inegável, elas eram produtos
de uma mídia que queria lucrar, elas eram o pós-Madonna e nunca chegaram ao
nível social que a própria Madonna ou até Lady Gaga atingiram, mas elas
conseguiram algo muito mais interessante e confortável. Um nome gigantesco
calcado na diversão. Falar de assuntos sérios como o uso de preservativos – vai
dizer que você não sabia que 2 Become 1
era sobre isso? -, o preço da fama (WhoDo You Think You Are?), falaram sobre o adeus que acaba vindo (Goodbye) e até sobre relações obsessivas
(Too Much), mas, sobretudo, elas
falaram sobre a amizade e a cumplicidade (Wannabe
e Headlines) que são as
ferramentas essenciais para que qualquer reivindicação possa se realizar. No
limite, qualquer tipo de ato político deve começar com um desejo, uma conversa,
uma vontade de algo.
Acredito hoje que o fenômeno Spice tenha sido mais importante do que
a própria Madonna no decorrer dos anos 2000, vamos encarar a realidade: Quem
seriam as Destiny’s Child sem as
cinco britânicas antes? Haveria letras de contestação do lugar da mulher na
sociedade (Can’t Hold Us Downde
Christina Aguilera) se não fossem antes as canções divertidas das Spice Girls?
Aos quase vinte e quatro anos,
encaminhado na vida, com uma formação política acima da média e sendo eu um
formador de opiniões, sinto vontade de retornar a essa coisa mais tranquila e
sossegada que essas meninas representaram por algum tempo. Quem sabe a epígrafe
do mestrado não acabe sendo algo como “Zig-Zig-Ah”?
Acho que seria no mínimo interessante. Diante de toda a pressão que estamos
vivendo ultimamente, um retorno àquilo que é pacífico se faz mais do que uma
boa pedida. Voltemos ao bom e velho girl power
onde tudo começou.
Aos
amigos que ficam e também aos colegas que foram.
Eu sentia o cheiro do chocolate no ar,
a hora do intervalo aproximava-se muito rápido e eu tinha cada vez mais fome. Provavelmente
a vontade era maior que a fome. Aquele croissant
repleto de chocolate derretido – porém de qualidade muito duvidosa – me esperava
em alguns minutos. O cheiro de pó de giz me irritava um pouco e minhas mãos
ficavam cada vez mais secas por causa dele, quiçá minhas narinas. Os alunos
discutiam animadamente as questões que os angustiavam, porque adolescentes
também sentem angústia, embora os adultos insistam em esquecer isso. Mas, aqueles
adolescentes não eram meus amigos e eu. Já muitos anos haviam se passado e alguns
haviam ficado para trás, outros foram esquecidos. Provavelmente não era aquela
amizade que se leva para o resto da vida, colegas sim.
O sinal soou e as angústias terminaram
logo. Eles desceram apressados para não enfrentar uma fila muito grande na
cantina, afinal, sempre achei vinte minutos de intervalo um período muito curto
para que se possa comer, beber, esticar os ossos e ainda socializar, que era o
mais importante na escola. Continua sendo. Desci as escadas com os alunos me
cumprimentando com aquele ar de encantamento: “Bom dia, professor”, as meninas
diziam isso meio que sorrindo, eu não conseguia entender muito bem essa fascinação
toda.
Cheguei à sala dos professores e
respirei fundo, todos conversavam sobre o mesmo de todas as manhãs, muitas
vezes nada que interessasse muito. Aquela sala era a única excluída das minhas
memórias em todo aquele prédio, talvez seja a única sala que não foi marcada
por nossas risadas, nem as lágrimas. Mas o banheiro dos professores... Esse
está bem marcado. Eu vi as coisas do outro lado agora, mas ainda me sentia meio
adolescente. É aquela fase da vida em que você e seus amigos estão começando
suas carreiras, é aquele momento em que as pessoas costumam aceitar tudo que é
imposto no trabalho (nós não temos nem nunca tivemos feitio pra isso), estão
todos com falta de dinheiro porque ainda ganham pouco e não conseguem se manter
sozinhos ainda. Percebi o quão absurdo aquilo era para mim: eu não podia me
virar sozinho, mas conseguia me virar com cinquenta adolescentes em uma sala de
aula. O mundo é uma coisa contraditória.
Sentei-me na cadeira costumeira com
meu copo de café na mão – muito açúcar -, percebi que anos atrás provavelmente
seria uma lata de Coca-cola no lugar, bem, a cafeína ainda está ali. Percebi que
no lugar dos pequenos croissants
salgados enviados pela cantina, seria primeiro uma coxinha e depois um croissant de chocolate, quanto mais
recheado melhor. Percebi também que quando senti o cheiro do chocolate em sala,
aquilo fora apenas uma memória e não um cheiro real. Meu estômago revirou.
Hoje, uma menina de uns sete anos me ofereceu um lugar no ônibus e eu ainda
estou mais perto dos vinte do que dos trinta. Ainda assim, fico surpreso com a
nostalgia é algo presente m mim.
Percebo com o último gole de café (e o
sinal já vai tocar de novo, tão rápido) que a vida nos levou para lugares nem
tão distintos, afinal, todos nós estávamos lutando por alguma coisa nessa
cidade e nessas ruas estranhas, cinzentas e cheias de pedras. Não havia mais o
ombro para chorar (ou dormir) todas as manhãs, não haveria mais, provavelmente.
Mas as vidas estavam encaminhadas. Ali ao meu lado minha ex-professora e agora
colega me olhava curiosa, com aqueles olhos de quem sabia exatamente o que eu
estava pensando – sempre fora assim. Sorri e perguntei à mulher que me ensinou
a escrever:
-Professora, a senhora acha que nos
demos bem?
-Vocês se deram bem desde o momento em
que nasceram, querido.
Sorri e meu coração sorriu junto, com
uma alegria quase boba do aluno que recebe um elogio sincero de seu professor.
Subi a escada mais animado, antes de entrar na sala que ficava logo a frente da
escada (e que fora minha última sala como aluno ali) e olhei o corredor. Vi
duas pequenas meninas sonhadoras sentadas lá no fundo dividindo um livro de
romance água com açúcar, no parapeito da escada um que achava que nada tinha
jeito e estava decidido a pular e se matar enquanto eu tentava dissuadi-lo. Aqueles
dois que subiam as escadas discutindo como sempre em alto e bom som. A turma
toda voltando muito lentamente para mais três aulas que se arrastariam. Uma
pequena com uma coca-cola e algum salgado na mão, a coca-cola duraria até a
última aula. Correríamos para nos esconder da inspetora enquanto cabulávamos
aula. No final do dia, tudo ficaria bem.
Acredito que o mundo seja feito de
conexões, as pessoas se conectam porque, com certeza, essa é sua natureza.
Aristóteles dizia que “o homem é um animal político”, a palavra político aqui significa mais viver entre
homens do que a ação da política como estamos acostumados. Não se vive sozinho
e ao decorrer da vida, vai se criando e acirrando certas conexões. Outras vão
se quebrando, se fazendo passado. Mas passado constrói. “Quem vive de passado é
museu”, mas também é memória, coração, corpo e alma, ou seja, quem vive de
passado é o ser humano.
As relações que estabelecemos com o
passar dos anos vão nos definindo, porque todas as relações nos ensinam algo. Há
um novo aprendizado em cada esquina, em cada livro que se lê, em cada música
que se ouve. Cada nota musical é um mundo por si só, cada frase tem uma terra
do nunca própria. Personagens habitam nosso inconsciente de forma que mal
imaginamos, somos todos guerreiros de
alguma forma e, com o perdão da expressão controversa, somos um enorme exército
que se alastra por todo o globo. Transformamos o mundo, como já diria Marx e o
mundo nos transforma, existe uma relação necessária entre ser humano e mundo. E
isso é maravilhoso. O resultado disso tudo é a história.
Não, o resultado disso tudo são os
laços que construímos, os laços vermelhos do destino que nos ligam às pessoas
queridas, àqueles que amamos verdadeiramente. São por esses, no final das
contas, que lutamos. São eles nossa família e nossos amigos, cada um, um
personagem diferente nesse imaginário louco de crianças de corações livres e
selvagens que todos nós já fomos um dia. O relógio corre, corre, não para nem
por um segundo, nossa vida se esvai nas nossas emoções, nas nossas sensações e
sentimentos. Passamos por coisas que não gostaríamos de passar, às vezes esses
laços são interrompidos. Mas, ao mesmo tempo, são eles que nos salvam do mais
profundo desespero que pode se instalar dentro de cada universo que somos nós. São
esses os laços que nos fortalecem a todos os momentos, que nos tiram do medo e
nos fazem enxergar a coragem que temos.
A vida é mesmo uma coisa muito
curiosa, muito frágil. Mas ela deve ser algo muito bom no final das contas.
“Esse é o
nosso mundo/O que é de mais nunca é o bastante/E a primeira vez sempre é a
última chance/Ninguém vê onde chegamos/Os assassinos estão livres, nós não
estamos/Vamos sair, mas não temos mais dinheiro/Os meus amigos todos estão
procurando emprego/Voltamos a viver como há dez anos atrás/E a cada hora que
passa/Envelhecemos dez semanas”, assim Renato Russo começava a música Teatro dos Vampiros. Dizia ele que essa
música era, a principio, sobre a televisão, mas acho que se tornou mais um hino
de vida daqueles que só a Legião conseguia fazer.
Mas não, esse
não é um texto sobre Renato Russo ou a Legião Urbana. Esse é um texto sobre a
vida, sobre a vida e sobre a morte também. Esse trecho ilustra outra coisa: o
tempo. Ele passa, é cruel, ao mesmo tempo que é senhor e que nunca é perdido.
Faz tempo de mais que as coisas eram simples de mais... Nossos dez anos
chegaram mais cedo. Vieram aos sete. Nós nos separamos, a maioria de nós,
ficamos em alguns grupos, mas estávamos ali de alguma forma, sabíamos disso.
Nunca foi segredo pra ninguém que nossa turma foi e é revolucionária em vários
sentidos, que dá pra Globo fazer uma daquelas minisséries sobre amigos que se
encontram anos depois da formatura. Isso acontece porque, apesar do tempo, tudo
o que passamos naqueles três anos foi verdadeiro. Intenso como nós somos,
sempre fomos, todos nós. Intensos de mais e, talvez, tenha sido isso que nos
juntou.
Hoje o
primeiro de nós vai embora. Ele não deveria ir, todos nós concordamos com isso.
Mas ele foi. Ele foi com aquele sorriso de malandro de canto, com aquele boné
que nunca saiu da cabeça. Foi embora com o bonde da stronda, e com aquele jeito
meio manso. Fica silêncio no lugar. É estranho pensar nisso. Não, ele não era
meu amigo, acho que a última vez que o vi faz uns anos e nunca mais nos
falamos. Mas ele estava ali. Ele era parte dessa conexão que foi sendo
trabalhada durante aquele tempo. Quando uma parte dessa conexão some, a coisa
fica mais complexa. Nossos dez anos chegaram muito cedo. Somos ainda aqueles
adolescentes rindo no intervalo, somos ainda aqueles despreocupados. Somos
ainda tudo aquilo.
Clichês a
parte, fica pra gente tudo o que foi de melhor. Fica ainda uma lição, lição que
não podemos esquecer. Aquela velha coisa do Filtro
Solar com o Pedro Bial falando aquele monte de coisas que, por algum tempo,
foi moda soltar em formaturas. O fato é que somos processos, estamos em
andamento. Sempre em andamento. E nós continuamos, continuamos porque pra ele é
importante que continuemos, pois somos nós a memória dele. Aquilo que dele aqui
ficou. A conexão se mantém, muito embora os nossos dez anos tenham chegado cedo
de mais... Não, não foi tempo perdido.
Vai com teu boné, com teu sorriso, vai como metal, acerta as nuvens, vira raio, relâmpago e trovão. Vira ouro que sempre foi, vai rindo, Pinho.
Que sejam fortes todos aqueles que não conseguem se libertar.
Eu estava sentada na calçada, um fio
de sangue escorria do meu lábio inferior, eu estava suja e uma lágrima rolava
pelo rosto se misturando com o suor. Apoiei a cabeça nas mãos e respirei fundo
tentando absorver tudo o que me acontecera até ali. Uma certeza em nossas
vidas: não há absolutamente ninguém que vá ficar sempre ao seu lado, que jure
amor real, a não ser, talvez, sua própria mãe. Fechei os olhos e as imagens
começaram a surgir em minha cabeça como se estivessem acontecendo naquele mesmo
minuto.
Primeiro, vi um dia ensolarado, eu
estava usando uma regata branca, sentada na grama com alguns amigos quando
Adriana chegou trazendo uma amiga, aqueles cabelos pretos e a pele tão negra
quanto o ébano me deixaram sem ar.
-Oi pessoal! Essa é a Isa... Minha
amiga de quem eu comentei. – disse Adriana apresentando Isa de uma forma meio
geral, como se fosse a coisa mais natural do mundo, me levantei e dei um beijo
em sua bochecha e me apresentei.
-Me chamo Monica, é um prazer.
Acho que desmaiei por um segundo, pois
caí na calçada, outra imagem surgiu: Isa e eu deitadas na cama de casal de seu
quarto todo decorado como de uma verdadeira menininha. Estávamos nuas e
fazíamos amor com toda a intensidade que podíamos. Ela respirava ofegante
enquanto eu beijava seu pescoço e passava a mão entre suas pernas, lembro-me
que aquilo a enlouquecia completamente. Quando ela colocava a mão em minha nuca
e apertava meu corpo inteiro tremia de prazer.
Outra lágrima rolou e mais uma imagem
apareceu: nós duas jantávamos no restaurante preferido de Isa quando um rapaz
com cabelos pretos penteados para trás entrou seguido de uma bela moça de
cabelos louros presos num coque. Aqueles dois prenderam a atenção de Isa.
-O que foi? Você os conhece? – eu perguntei.
-Não é nada. – ela respondeu com sua
voz angelical.
-Conta pra mim, Isa... – eu sorri.
-Eu já namorei com ele, o Dan...
-E o que houve?
-Ele terminou comigo.
-Ele é um idiota.
Três meses se passaram na minha
memória e nós estávamos tendo nossa primeira grande briga, eu vira uma mensagem
de Daniel no celular dela.
-O que você está pensando? Que eu sou
idiota? – eu gritava.
-Foi só uma noite, Monica! Você está
fazendo uma tempestade desnecessária!
-O que?! Foi só uma noite?! E você não
tem vergonha na cara? Volta pra mim como se nada tivesse acontecido?!
-Eu não sou sua pra voltar pra você. –
ela disse aquilo com toda a calma do mundo e as lágrimas começaram a rolar dos
meus olhos, foi como se ela tivesse me esfaqueado.
-Então o que você está fazendo comigo?
– perguntei secando as lágrimas e me sentindo uma completa idiota. Ela sorriu,
se aproximou de mim acariciando meu rosto e sussurrou no meu ouvido:
-Porque eu quero você...
Aquela noite fizemos, talvez, o amor
mais louco daquele ano que passamos juntas. Eu sabia que naquela noite ela
havia ficado em mim como tatuagem, não sairia mais e se eu quisesse esquecer,
teria que desenhar outra coisa por cima. Seis meses se passam e mais uma briga
se segue, mais violenta. Lembrei de vasos voando pela sala, o telefone dela que
joguei pela janela. Gritos, palavras que não deveriam ser ditas. Quanto mais eu
tentava me livrar daquilo, mais envolvida eu ficava. Mais loucamente apaixonada
eu me tornava e ela ria de mim por dentro, eu sabia disso. Nada no mundo doía mais
do que aquilo.
Levantei-me da calçada secando o suor,
sentindo meu lábio arder e o sangue continuar a escorrer. Comecei a andar pela
rua vazia e escura, fazia frio e eu não me equilibrava direito naquele salto, a
saia curta me fazia ficar ainda mais presa. Parei num beco no meio do caminho e
vomitei ali mesmo, junto com o vomito minhas lágrimas e uma vontade
incontrolável de gritar. Bebemos um pouco de mais, voltamos para o apartamento
de Isa, ela, eu e um rapaz. Os dois começaram a se beijar, eu decidi que
deveria aproveitar aquilo também, embora não gostasse muito da ideia. Transamos
os três e gemíamos como se estivéssemos atingindo o êxtase o tempo inteiro. Os dois
adormeceram, eu me vesti... Abri a bolsa e encontrei o pequeno revólver que
havia ali. Não conseguia pensar direito. Puxei o gatilho apontando para o rapaz
cujo qual eu não me lembrava do nome. Atirei três vezes. Isa acordou assustada
e gritando, começou a me bater, ela me empurrou e eu caí de boca no chão. Apontei
o revólver para ela e atirei mais três vezes, ela caiu ensanguentada ao lado da
cama. Eu saí desnorteada. As imagens me matavam. Entrei na delegacia um pouco
tonta e confessei meu crime ao primeiro policial que encontrei. Tudo o que passamos,
tudo o que fizemos, tudo acabou ali.
English:
To those who can’t let go: be strong.
I
was sitting on the sidewalk, a line of blood went down from my lips, I was
dirty and a tear came rolling down my face, mixing up with the sweat. I put my
head on my head and took a deep breath trying to understand everything that had
happened so far. One certain thing on our lives: there is absolutely no one
that will stay by your side, who swears true love, except, maybe, your own
mother. I closed my eyes and the pictures started to appear inside my head as
if they were happening on that same moment.
First
I saw a sunny day, I was wearing a white t-shirt, laying on the grass with some
friends when Adrianna arrived bringing a friend: those black hair and the skin
as dark as chocolate took my breath away.
“Hi
guys! This is Isa… My friend I told you about” said Adrianna introducing Isa to
everybody at once. As if it was the most natural thing on the world, I got up
and kissed her cheek introducing myself.
“My
name is Monica, nice to meet you”.
I
think I passed out for a second because I fell on the sidewalk, another picture
appeared: Isa and I on her bed, her bedroom all decorated like a real girl’s
room. We were naked and making love as intense as we could. She was breathing
slowly as I kissed her on the neck and moved my hand between her legs, I remember
that this would drive her completely crazy. When she’d put her hand on my neck
and squeezed it, my whole body shivered.
Another
tear rolling down and another picture came up: we were having diner on her
favorite restaurant when a boy with a black hair slicked back, wearing a white
t-shirt came in accompanied by a blond girl. Those two took Isa’s attention.
“What’s
up? Do you know them?” I asked.
“It’s
nothing” She answered with her heavenly voice.
“Tell
me Isa…” I smiled.
“I
dated him… Dan…”
“And
what happened?”
“He
broke up with me”
“He’s
a jerk”.
Three
months passed on my memory and we were having our first big fight, I saw a text
from Daniel on her phone.
“What
the fuck were you thinking about?! Do you think I’m stupid?!” I was shouting.
“It
was just one night, Monica! You are making a storm out of it!”
“What?!
It was just one night?! Aren’t you ashamed? You come back to me as if nothing
happened!”
“I
don’t belong to you to come back to you…” she said that with all the peace in
the earth and I started crying, I felt the knife on my back.
“So…
What are you doing with me?” I asked drying my tears and feeling a complete
stupid. She smiled, got closer to me caressing my face and whispered on my ear:
“Because I want you…”.
That
night we made the maddest love of the year we spent together. I knew that night
that she was stuck on me like a tattoo, she wouldn’t come out and if I wanted
to forget her, I would have to draw something new over that. Six months went by
and another fight follows. Even more violent than all the others. I remembered
vases flying through the room, her phone that I threw out of the window.
Scream, words that should never been said. For as much as I tried to let go of
that, more stuck I’d stay. More in love I would become and she laughed of me on
the inside, I knew that. Nothing in the world brought more pain than that.
Band-aids don’t fix bullet holes.
I
got up on the sidewalk trying to clean my face, feeling my lips hurt and the
blood streaming down. I started my lonely walk across the dark and empty
street, it was cold and I couldn’t stand so well on those high heels and the
short skirt would make me feel more stuck. I stopped on an alley and threw up,
with the vomit, my tears and an incontrollable wish to scream. We drank a
little too much, went back to her apartment: she, me and a boy. They started to
kiss and I decided I should enjoy that too, although I didn’t like the idea
very much. We had sex, all the three of us, and we moaned as if we were
reaching nirvana all the time. They fell asleep and I got dressed… I opened up
my purse and found that little gun there. I couldn’t think straight. I pulled
the trigger pointing to that boy which I didn’t remember the name. I shot three
times. Isa woke up scared and screaming, she started to beat me up, she pushed
me and I fell with my mouth hitting the ground. I pointed the gun at her and
shot another three times, she fell on her own blood by the side of the bed. I
went out feeling muddled. The pictures were killing me. I stepped into the
Police Department and confessed my crime to the first cop I saw. Everything we
went through, everything we’ve done, it all ended there.