sexta-feira, 26 de junho de 2015

"Out of the Woods"



Em homenagem aos que amam, independente do sexo ou identidade de gênero! #LoveWins

Aos que já se perderam tantas vezes nas florestas escuras: há sempre uma saída.

O som do riso de João ecoou por todo o prédio, ele percebeu que havia rido alto de mais, o que fez com que ele risse mais ainda. Marcos o acompanhou no riso. A noite estava apenas começando e eles já estavam bêbados o suficiente para não precisarem de mais nenhuma gota de álcool, mas quando se está bêbado, essas coisas não importam muito. No notebook parado na mesa de centro uma chamada de vídeo tocava: Bruno. Eles atenderam e logo visualizaram o amigo: negro, com os cabelos crespos e um sorriso que iluminava qualquer quarto escuro de tão brancos eram seus dentes.

-Vocês estão bêbados? – perguntou Bruno sorrindo na tela.
-Só um pouco, Bruninho... Dá pra notar? – perguntou Marcos rindo e falando bem mais alto que o normal.
-Tá na cara de vocês. – disse Bruno da forma mais simpática que pôde, mas ainda com uma entonação de quem queria dizer que eles estavam errados.
-Vem pra cá, Bruno! Corre que ainda tem bebida! – disse João pulando em frente ao computador.
-Acho que vou passar, meninos. Eu só liguei pra saber se vocês queriam sair pra comer alguma coisa, mas parece que vocês já passaram da fase de comer. A gente se fala amanhã...
-Beijos, negão lindo! – disse Marcos mandando um beijo no ar.
-Juízo vocês dois. – foi o que Bruno disse antes de desligar. Ele estava certo em recomendar algo assim aos dois.
-Vamos dançar! – a ideia surgiu na mente de João como se fosse a maior descoberta de toda a sua vida. Ele procurou uma pasta no computador, clicou duas vezes e a música começou a tocar.
-Rápido! Vamos tirar os móveis pra gente poder dançar! – o tom de Marcos era um tom de pura urgência.



E eles dançaram, dançaram como se aquela música fosse a única que existia no mundo, foi como se tudo ao redor deles fosse feito de música, como se o resto do mundo fosse preto e branco e apenas aquele momento tivesse cores, foi como se eles tivessem o peso de dois aviões de papel voando pelo ar, como se em algum momento muito distante deles, o mundo tivesse sido criado por música. E tudo levava àquilo: os dois dançando na sala de estar do apartamento de João, a música alta. Os vizinhos deviam estar incomodados, mas nenhum deles ligava, eles queriam apenas dançar. E eles dançaram ao que pareceram horas, quando, na verdade, foram apenas alguns poucos minutos. A música terminou e eles se jogaram no sofá.

-Espera aí... – disse João se levantando e indo até o quarto. Voltou segurando uma antiga máquina Polaroid na mão. – Vamos tirar uma selfie.
-Com uma Polaroid? – perguntou Marcos achando graça naquilo tudo.
-Diga x!

O flash saiu e cegou Marcos por alguns instantes, a foto saiu com um ar de envelhecida e a borda branca ao seu redor.

-Me sinto nos anos 90. – disse Marcos rindo da cara que havia feito na foto.
-Está sensacional.
João se levantou e colocou num painel que ficava encima do sofá, admirou a foto por alguns instantes e depois disse com ar de descoberta mais uma vez:
-Vamos sair.



Eles pegaram a chave do carro e saíram para a noite quente de Dezembro. João acelerou e eles viam as luzes passando pelas janelas do carro como se fossem estrelas-cadente que não paravam de descer à terra. Eles eram duas estrelas, tinham plena consciência de que nasceram para brilhar, nasceram para ser muito mais do que os outros acreditavam que eles eram. Muito mais do que o simples barman que Marcos era, e, sem dúvidas, muito mais que o desconhecido contador no qual João se tornara. Eles não viram o que era, mas João pisou nos freios depressa de mais, os dois corpos foram jogados para frente e refletidos de volta para trás. Não havia nada na rua, apenas os postes e eles estavam longe.

-Caralho! O que foi isso João?! – todo o efeito do álcool havia desaparecido. Ele olhou para o lado, João estava com um ferimento na cabeça e ele sangrava. – Merda! Sai daí! João! Vem pra esse banco! Vai logo!

Marcos acelerou para o hospital mais próximo. Ele entrou no pronto-socorro apinhado de gente, pessoas chorando, crianças tossindo. Ele se lembrou como odiava hospitais desde criança, ao invés de curar, eles pareciam deixá-lo três vezes mais doente. João estava apoiado ao seu lado meio tonto. Uma enfermeira correu para atendê-los.

-O que houve? – perguntou ela friamente.
-Um acidente de carro. – Marcos respondeu.
-Mais alguém ferido? – o tom frio dela começou a irritar Marcos.
-Não, só ele.
-Preciso que você preencha uns papéis na recepção, nós vamos levá-lo pra dentro.
-Eu quero ir junto.
-Você é parente?
-Não...
-Vá preencher os papeis! – ela disse pedindo ajuda de mais duas enfermeiras que colocaram João na maca e o levaram para dentro num frenesi.



Marcos foi à recepção e começou a preencher os papeis, ele não queria fazer aquilo, nada daquilo fazia sentido. Absolutamente nada. Ele queria ficar ao lado de João, queria estar lá quando ele acordasse. O que era aquilo? Quem eram eles? Talvez ele fosse apenas um fardo para João. Sua constante rebeldia, quase trinta anos e ainda agia como um adolescente. Ele estava perdido em alguma floresta escura da qual não conseguia mais sair, não havia saída, ele não conseguia chegar na clareira para que pudesse respirar. Era uma enorme mata fechada. Ele queria gritar e não conseguia. Terminou de preencher os papeis e discretamente entrou no corredor onde as enfermeiras haviam levado João e foi procurando quarto por quarto, quando finalmente o encontrou, percebeu que ele estava deitado e haviam feito pontos em sua cabeça. Ele se aproximou da cama  e pegou na mão do outro, ele abriu os olhos e o olhou sorrindo.



-Você tá bem? – perguntou João como se nada tivesse acontecido com ele próprio.
-Você está bem? – Marcos perguntou ignorando a outra pergunta.
-Claro... Vou viver. Eles fizeram vinte pontos e... – ele não falou mais, começou a chorar de uma forma quase descontrolada. Marcos não conseguiu ter outra reação a não ser chorar junto. O médico entrou no quarto frio e disse que João estava liberado, pediu que ele assinasse alguns documentos.
-Tome esses remédios, você vai sentir uma dor de cabeça forte nas próximas horas, mas nada de mais. – disse o médico entregando uma receita para João. – Você pode levá-lo para casa, ele não pode dirigir pelas próximas quarenta e oito horas.

Os dois saíram, o sol estava nascendo e João estava olhando para Marcos do banco do passageiro. Ainda havia lágrimas em seus olhos.

-Eu tenho que te libertar... – disse Marcos olhando para o volante.
João não disse nada.
-Eu preciso me descobrir.
-Nós já saímos da floresta? – perguntou João num tom sombrio. – Nós já estamos na clareira?
-Oi? – Marcos parecia confuso.
-Eu quero ficar com você. Nós já saímos? O sol está nascendo.
Marcos sorriu e olhou para João que o olhava enquanto o sol nascia.
-Nós estamos na clareira? – perguntou ele. João fez que sim com a cabeça. – Bom.




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