Em homenagem aos que amam, independente do sexo ou identidade de gênero! #LoveWins
Aos que já se perderam tantas vezes nas florestas escuras: há sempre uma saída.
O som do riso de João ecoou por todo o
prédio, ele percebeu que havia rido alto de mais, o que fez com que ele risse
mais ainda. Marcos o acompanhou no riso. A noite estava apenas começando e eles
já estavam bêbados o suficiente para não precisarem de mais nenhuma gota de álcool,
mas quando se está bêbado, essas coisas não importam muito. No notebook parado
na mesa de centro uma chamada de vídeo tocava: Bruno. Eles atenderam e logo
visualizaram o amigo: negro, com os cabelos crespos e um sorriso que iluminava
qualquer quarto escuro de tão brancos eram seus dentes.
-Vocês estão bêbados? – perguntou Bruno
sorrindo na tela.
-Só um pouco, Bruninho... Dá pra
notar? – perguntou Marcos rindo e falando bem mais alto que o normal.
-Tá na cara de vocês. – disse Bruno da
forma mais simpática que pôde, mas ainda com uma entonação de quem queria dizer
que eles estavam errados.
-Vem pra cá, Bruno! Corre que ainda
tem bebida! – disse João pulando em frente ao computador.
-Acho que vou passar, meninos. Eu só
liguei pra saber se vocês queriam sair pra comer alguma coisa, mas parece que
vocês já passaram da fase de comer. A gente se fala amanhã...
-Beijos, negão lindo! – disse Marcos
mandando um beijo no ar.
-Juízo vocês dois. – foi o que Bruno
disse antes de desligar. Ele estava certo em recomendar algo assim aos dois.
-Vamos dançar! – a ideia surgiu na
mente de João como se fosse a maior descoberta de toda a sua vida. Ele procurou
uma pasta no computador, clicou duas vezes e a música começou a tocar.
-Rápido! Vamos tirar os móveis pra
gente poder dançar! – o tom de Marcos era um tom de pura urgência.
E eles dançaram, dançaram como se
aquela música fosse a única que existia no mundo, foi como se tudo ao redor
deles fosse feito de música, como se o resto do mundo fosse preto e branco e
apenas aquele momento tivesse cores, foi como se eles tivessem o peso de dois
aviões de papel voando pelo ar, como se em algum momento muito distante deles,
o mundo tivesse sido criado por música. E tudo levava àquilo: os dois dançando
na sala de estar do apartamento de João, a música alta. Os vizinhos deviam
estar incomodados, mas nenhum deles ligava, eles queriam apenas dançar. E eles
dançaram ao que pareceram horas, quando, na verdade, foram apenas alguns poucos
minutos. A música terminou e eles se jogaram no sofá.
-Espera aí... – disse João se
levantando e indo até o quarto. Voltou segurando uma antiga máquina Polaroid na
mão. – Vamos tirar uma selfie.
-Com uma Polaroid? – perguntou Marcos
achando graça naquilo tudo.
-Diga x!
O flash saiu e cegou Marcos por alguns
instantes, a foto saiu com um ar de envelhecida e a borda branca ao seu redor.
-Me sinto nos anos 90. – disse Marcos
rindo da cara que havia feito na foto.
-Está sensacional.
João se levantou e colocou num painel
que ficava encima do sofá, admirou a foto por alguns instantes e depois disse
com ar de descoberta mais uma vez:
-Vamos sair.
Eles pegaram a chave do carro e saíram
para a noite quente de Dezembro. João acelerou e eles viam as luzes passando
pelas janelas do carro como se fossem estrelas-cadente que não paravam de
descer à terra. Eles eram duas estrelas, tinham plena consciência de que
nasceram para brilhar, nasceram para ser muito mais do que os outros
acreditavam que eles eram. Muito mais do que o simples barman que Marcos era,
e, sem dúvidas, muito mais que o desconhecido contador no qual João se tornara.
Eles não viram o que era, mas João pisou nos freios depressa de mais, os dois
corpos foram jogados para frente e refletidos de volta para trás. Não havia
nada na rua, apenas os postes e eles estavam longe.
-Caralho! O que foi isso João?! – todo
o efeito do álcool havia desaparecido. Ele olhou para o lado, João estava com
um ferimento na cabeça e ele sangrava. – Merda! Sai daí! João! Vem pra esse
banco! Vai logo!
Marcos acelerou para o hospital mais
próximo. Ele entrou no pronto-socorro apinhado de gente, pessoas chorando,
crianças tossindo. Ele se lembrou como odiava hospitais desde criança, ao invés
de curar, eles pareciam deixá-lo três vezes mais doente. João estava apoiado ao
seu lado meio tonto. Uma enfermeira correu para atendê-los.
-O que houve? – perguntou ela
friamente.
-Um acidente de carro. – Marcos respondeu.
-Mais alguém ferido? – o tom frio dela
começou a irritar Marcos.
-Não, só ele.
-Preciso que você preencha uns papéis
na recepção, nós vamos levá-lo pra dentro.
-Eu quero ir junto.
-Você é parente?
-Não...
-Vá preencher os papeis! – ela disse
pedindo ajuda de mais duas enfermeiras que colocaram João na maca e o levaram
para dentro num frenesi.
Marcos foi à recepção e começou a
preencher os papeis, ele não queria fazer aquilo, nada daquilo fazia sentido. Absolutamente
nada. Ele queria ficar ao lado de João, queria estar lá quando ele acordasse. O
que era aquilo? Quem eram eles? Talvez ele fosse apenas um fardo para João. Sua
constante rebeldia, quase trinta anos e ainda agia como um adolescente. Ele estava
perdido em alguma floresta escura da qual não conseguia mais sair, não havia
saída, ele não conseguia chegar na clareira para que pudesse respirar. Era uma
enorme mata fechada. Ele queria gritar e não conseguia. Terminou de preencher
os papeis e discretamente entrou no corredor onde as enfermeiras haviam levado
João e foi procurando quarto por quarto, quando finalmente o encontrou,
percebeu que ele estava deitado e haviam feito pontos em sua cabeça. Ele se
aproximou da cama e pegou na mão do
outro, ele abriu os olhos e o olhou sorrindo.
-Você tá bem? – perguntou João como se
nada tivesse acontecido com ele próprio.
-Você
está bem? – Marcos perguntou ignorando a outra pergunta.
-Claro... Vou viver. Eles fizeram
vinte pontos e... – ele não falou mais, começou a chorar de uma forma quase
descontrolada. Marcos não conseguiu ter outra reação a não ser chorar junto. O
médico entrou no quarto frio e disse que João estava liberado, pediu que ele
assinasse alguns documentos.
-Tome esses remédios, você vai sentir
uma dor de cabeça forte nas próximas horas, mas nada de mais. – disse o médico
entregando uma receita para João. – Você pode levá-lo para casa, ele não pode
dirigir pelas próximas quarenta e oito horas.
Os dois saíram, o sol estava nascendo
e João estava olhando para Marcos do banco do passageiro. Ainda havia lágrimas
em seus olhos.
-Eu tenho que te libertar... – disse
Marcos olhando para o volante.
João não disse nada.
-Eu preciso me descobrir.
-Nós já saímos da floresta? –
perguntou João num tom sombrio. – Nós já estamos na clareira?
-Oi? – Marcos parecia confuso.
-Eu quero ficar com você. Nós já
saímos? O sol está nascendo.
Marcos sorriu e olhou para João que o
olhava enquanto o sol nascia.
-Nós estamos na clareira? – perguntou ele.
João fez que sim com a cabeça. – Bom.
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